quinta-feira, 28 de maio de 2009

hans-christian dany:uma sociedade sob o efeito da droga...

Cada sociedade tem suas próprias drogas. Ao longo dos séculos, os seres humanos jamais deixaram de fazer experiências com drogas. Seja para fins religiosos, seja para “expandir a consciência”, álcool, tabaco, ópio e cocaína sempre encontraram (e encontram até hoje) seus consumidores. Em seu livro Speed. Uma sociedade sob o efeito da droga (Speed. Eine Gesellschaft auf Droge), Hans Christian Dany conduz o leitor a uma viagem pela história da substância que ele caracteriza como o motor da “sociedade da performance” contemporânea. Trata-se da anfetamina, na qual são baseadas drogas como o speed e o ecstasy, que principiou sua campanha triunfal já no final do século XIX. Hoje em dia, as anfetaminas são as drogas mais vendidas no mundo inteiro – tanto no mercado legal, quanto no ilegal. Dany conta a história de ascensões e quedas, todas elas devidas à anfetamina, e consegue tornar palpável ao leitor o mundo cintilante das drogas, mas também seu lado terrível e tenebroso. A anfetamina promete a solução rápida dos problemas, ou pelo menos garante que eles sejam adiados. Semelhante ao que acontece no caso da adrenalina, sob o êxtase da anfetamina o corpo entra em uma espécie de “estado de alerta”, no qual necessidades básicas como comer ou dormir são postas fora de combate. O princípio ativo aumenta a capacidade de concentração, nos deixa atentos e concede uma energia quase inesgotável. Ele tem, porém, efeitos colaterais perigosos: o aumento da agressividade, alucinações e psicoses são a conseqüência. Sobretudo o setor militar soube usar os efeitos das drogas a seu favor. Em 1883, um médico austríaco adicionou, em segredo, cocaína à água do exército bávaro – e observou como até mesmo soldados gravemente feridos pareciam capazes de continuar lutando sem o menor esforço. Logo depois, aconteceu a ascensão das drogas sintéticas. Em 1887, o químico Lazar Edeleanu produziu pela primeira vez a matéria sintética que recebeu o nome de “1-Phynolpropan-2-amin”, chegando à primeira anfetamina. E ela logo alcançou grande popularidade. Lê-se o livro de Dany como um Who is who da história das drogas: Andy Warhol cria um quadro após o outro no êxtase proporcionado pelas drogas, Johnny Cash inventa o vandalismo de hotel e Elvis tem tanta anfetamina no interior de seu corpo ao morrer, que o médico mal consegue acreditar ao fazer a autópsia. Vários escritores, de Kerouac a Philip Kindred Dick, escrevem seus livros – que há tempo se tornaram clássicos – sob o efeito de drogas. Jean Paul Sartre redige suas obras sob a influência da anfetamina e se mostra entusiasmado com a tradução automatizada de pensamentos em língua, que ele sente alcançar com a ajuda dela. A droga lhe dá a sensação da concordância absoluta consigo mesmo: como se ele tivesse, de repente, uma ligação direta com um manancial inesgotável de idéias. Para Dany, o speed é a droga da nossa época. A história da anfetamina é, em sua opinião, a história da nostalgia moderna da perfeição. “A nostalgia dos homens, de se tornarem melhores, concede um motivo que combina à perfeição com a anfetamina: respirar mais intensamente, pensar com mais objetividade, assumir uma forma mais bela, disparar com mais precisão e trabalhar com mais rapidez – esses são desejos que a droga promete realizar.” O consumo aumentou, também porque algumas barreiras culturais acabaram caindo. Pois ingerir pílulas para ou contra o que quer que seja, atualmente se tornou uma coisa normal: para ganhar ou para perder peso, para dormir ou para acordar, para se acalmar ou para trabalhar mais uma noite sem dormir. As variantes mais recentes da moda se chamam speed, ecstasy, pep ou yaba, e prometem um ambiente de festa “perfeito” ou um dia de trabalho bem-sucedido. Anfetaminas sintéticas são usadas, entre outros, pelo exército americano para “aliviar” a vida dos soldados no Iraque. Estamos, pois, diante de uma sociedade drogada, no futuro? Com o título Speed, Danny identifica, também, a “situação que as pessoas do século vindouro considerarão a mais digna de merecer sua busca, sua luta e seu esforço.” Pois no mundo capitalista moderno a pressão aumenta, cresce a exigência de velocidade, de speed. Todo mundo tem de trabalhar rápida, efetiva e criativamente. E como isso se torna possível? O Financial Times profetiza: “concorrentes de cérebro dopado pensarão mais rápido, trabalharão mais tempo, se apresentarão de maneira mais enérgica. Eles ultrapassarão os não dopados...” Dany vê o perigo principal da anfetamina no fato de ela ser usada como meio de adequação forçada do indivíduo sobrecarregado ao mundo moderno, seja no setor militar, seja no quarto das crianças. Já hoje em dia crianças, fazem parte do grupo que mais consome anfetaminas comercializadas legalmente no mundo inteiro (só na Alemanha, são 1,8 milhões). Para o tratamento de TDA (o Transtorno de Déficit de Atenção) são aplicadas anfetaminas como a Ritalina para equilibrar o estado psíquico precário dos “pimpolhos instáveis” – um método controvertido. A tese de Dany, de que as anfetaminas em pouco tempo talvez se tornem parte de nosso cotidiano assim como os telefones celulares, certamente é ousada. Mas a vasta aceitação dos entorpecentes por parte da sociedade é, por outro lado, surpreendente, e Hans Christian Dany fornece ao leitor bons motivos para “permanecer sóbrio”. Com grande riqueza de detalhes e de maneira fascinante, ele reconstrói os nexos existentes entre a sociedade da performance e a história da anfetamina. Pois, como Ernst Jünger já sabia: “Também as drogas seguem a moda; elas formam correspondências substanciais para dar conta de processos espirituais, que talvez deixem apenas pequenas marcas na história do estilo, mas ainda assim se inscrevem dentro dela.”

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