quarta-feira, 29 de abril de 2009

Yves Sintomer

Qual é a particularidade da democracia francesa?Como todos os outros países europeus, a França é uma democracia parlamentar, diferente do regime presidencial americano. A especificidade francesa, - é a 5a República que o deseja assim - é o fato de possuir um Parlamento extremamente frágil em relação aos de seus vizinhos alemães, britânicos e espanhóis, no que concerne aos montantes disponíveis para os parlamentares, o controle sobre a ordem do dia, a possibilidade de criar comissões parlamentares, a importância simbólica que lhe é dada pelo poder executivo, os mecanismos de produção da lei (vaivém entre as duas casas até que haja acordo sobre os textos, controle do executivo sobre os textos, etc.). A França também é o país onde há o mais estreito recrutamento da classe política em sua cúpula e sua profissionalização é mais intensa.Assim, a situação francesa é paradoxal: a 5a República, instituída em 1958, foi construída em nome do equilíbrio entre os poderes, mas, na verdade, a onipresença do executivo não possui qualquer contrapeso. Entretanto, a situação melhorou um pouco nos últimos trinta anos, graças ao papel mais relevante da justiça: crescimento do poder do Conselho Constitucional, com a independência dos juízes fortalecida. Presença no segundo turno da eleição presidencial de 2002 de um candidato da extrema-direita, aumento da abstenção, redução do número de filiados aos sindicatos e aos partidos: a democracia francesa está em crise?De certa maneira, a democracia sempre esteve em crise. É m regime sempre em questionamento. Mais do que uma crise da democracia, pode-se falar de uma crise de legitimidade do sistema político atual, que se manifestou com a chegada ao segundo turno da eleição presidencial de 2002, em 21 de abril, do candidato da Frente Nacional, Jean-Marie Le Pen. Durante essa mesma eleição, o presidente em fim de mandato, Jacques Chirac, obteve no primeiro turno apenas 19,9% dos votos, enquanto os candidatos de partidos sem representação no Parlamento somaram 29,6%.Em 2005, a rejeição, por referendo, do Tratado de Constituição Européia interveio, após a aprovação desse mesmo tratado por 92% do Congresso (que reúne as duas casas parlamentares, a Assembléia Nacional e o Senado). Mais genericamente, as pesquisas apontam que a confiança nos políticos chegou a um nível historicamente baixo.
Como se explica esse fenômeno?Várias razões se conjugam, o que vemos também em nível europeu: a incapacidade dos políticos de sair da situação de crises econômicas e sociais de um outro modo, não por meio de estratégias de crescimento desiguais que atingem, sobretudo, as camadas populares; crise da ação pública tradicional, burocrática demais; profissionalização crescente da política que tende a distanciá-la das energias que poderiam alimentá-la; processos de decisão que passam cada vez mais por acordos de governança entre Estados, tendendo a reduzir o campo de ação do sistema político clássico.Enfim, em toda a Europa, o sistema político, do final do século XIX ao início do século XX, organizou-se em torno dos partidos de massa (partidos social-democratas e democrata-cristãos, por exemplo) que organizavam em torno de si uma parte da sociedade. Hoje, os partidos subsistem, mas perderam, em grande parte, a função de mediação que tiveram entre a sociedade e o sistema político.Em que medida a democracia participativa poderia dar uma nova legitimidade ao sistema político francês?Há duas maneiras de se definir a democracia participativa. Para a primeira, trata-se de instaurar um diálogo direto com os cidadãos - é o que o eleito fazia antes -, mas em uma outra escala (Internet, audiência nacional, etc.) e, sobretudo, pela independência em relação ao aparelho partidário. É nesse sentido que se fala de “debate participativo”.A segunda definição, mais restrita, é implementar mecanismos de inclusão dos cidadãos na tomada de decisões. Não se trata da democracia de vizinhança, instaurada na França pela lei Vaillant de 2002, que promovia uma participação seletiva dos cidadãos. A França é campeã da democracia de vizinhança: temos provavelmente mais conselhos de bairro do que todo o resto da Europa! Mas, a participação dos cidadãos restringe-se ao nível micro-local. Ela é praticada sobretudo na informalidade, devido ao desdém dos franceses por esses procedimentos. Resultado: cabe aos eleitos fazer a síntese das discussões, sem regra de jogo precisa e sem ter que prestar contas.A democracia participativa, por outro lado, concede um verdadeiro poder de co-decisão aos cidadãos, encarregados de instaurar regras precisas e que obriguem os responsáveis a prestar contas. É bastante provável que o fato de sair, ao menos parcialmente, dos aparelhos e dos debates internos da classe política, seja um dos meios de despertar um novo interesse das pessoas pela cultura política. Ao mesmo tempo, corre-se o risco de que isso seja feito através da publicidade, com o candidato ou candidata fazendo a síntese por conta própria e acentuando a tendência de concentração do poder de decisão no executivo e no seu líder carismático.A democracia participativa pode conceder uma espécie de contra-poder aos cidadãos e contribuir para a redinamização da política, mas é necessário também que ela seja exercida em questões bastante importantes e de um modo abrangente

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