quarta-feira, 29 de abril de 2009

Jean-Yves Mollier

Qual é o lugar específico da escrita, das letras, dos livros para a identidade cultural francesa?Jean-Yves Mollier: A escrita ocupa uma posição fundamental na cultura francesa, pois foi a escola que fixou as bases do cânone literário e forjou o panteão desta cultura a partir da segunda metade do séc. XIX. Os heróis literários da Volta ao Mundo por Duas Crianças, de Madame Fouillée, publicado em 1877 e reeditado mais de 400 vezes, inspiraram várias gerações de estudantes. A identidade cultural da França como "mãe das artes" também deve esta relação aos grandes escritores nacionais, que se tornaram modelos a serem imitados por outras culturas nacionais. Os romances publicados em forma de folhetim pela imprensa, também contribuíram para a popularidade de Honoré de Balzac, Victor Hugo, etc.Como se explica esse atual paradoxo: a produção editorial é cada vez maior, enquanto os resultados das pesquisas parecem indicar uma baixa dos "grandes leitores"?J.-Y. Mollier: É verdade que o número daqueles que lêem mais de 25 livros por ano vem sistematicamente diminuindo ano após ano, porém o número de outros leitores continua aumentando. Além do mais, todas as pesquisas mostram que é cada vez maior o número dos freqüentadores de bibliotecas. A França tem 65 milhões de habitantes. Em 2006, foram vendidos 450 milhões de volumes e 200 milhões foram emprestados em bibliotecas. Resultado: 10 livros por ano, comprados ou emprestados por cada francês. É muito. Esses números nunca ocorreram antes. Não há, pois, crise da leitura. O impresso estaria ameaçado pelos monitores?J.-Y. Mollier: É incontestável que as novas tecnologias, tais como as telas planas, que estão se tornando cada vez mais finas, o papel eletrônico(1), a tinta eletrônica(2), o “pen drive”, que nos permite transportar uma imensa biblioteca, terão um lugar cada vez maior. Porém, isso não vai liquidar o escrito. Vai simplesmente reduzir seu espaço.Numa jornada de 24 horas, continuaremos a ler os impressos em papel (quotidianos, revistas semanais e mensais), assim como ouviremos o rádio, assistiremos à televisão, utilizaremos um computador e leremos livros. O livro não depende de um suporte, ele existiu na antigüidade sob a forma de rolos (volumen), em seguida como um caderno (codex), amanhã, na forma de um fino monitor. O livro em si não recua.Aliás, Internet e telas planas não ameaçam o princípio da leitura mas, sim, o conteúdo das leituras. É deles que virão as mudanças, mesmo que a leitura ou o ato de ler continue em progressão, inclusive nos telefones celulares.Devemos admitir, entretanto, que a organização do pensamento não seja tão boa quando utilizamos estes tipos de monitores. A leitura e os livros permitem, e isso é de suma importância, uma distância em relação ao conteúdo da informação, recuo esse que deixa de existir nas outras mídias. O livro permite voltar ao texto, operação não corriqueira quando se trata de uma informação transmitida pelo rádio ou pela televisão.Não existe o perigo de vermos o "patrimônio" definido por aquilo que é mais consultado ou mais lido na Internet, fato este que causaria a redução de certo número de "clássicos"?J.-Y. Mollier: Você acaba de apontar um dos problemas-chaves do futuro: os famosos motores de busca, que eu chamaria de pedágios para o uso das auto-estradas de comunicação e informação. Se o motor não tiver integrado, por exemplo, um poema muito raro de um mandarim chinês do séc. XII antes de Jesus Cristo, jamais o encontrarei. Seria preciso que os poderes públicos refletissem a respeito da criação de motores auxiliares, que poderiam vir das grandes bibliotecas nacionais, da Unesco, por que não da ONU, um belo dia, com a finalidade de ser o mais completo possível com relação à diversidade cultural.Existe uma forma de censura econômica que consiste em vender unicamente os autores com maior probabilidade de venda. Não é este o verdadeiro perigo?Jean-Yves Mollier: Certamente. A censura do mercado é hoje o ponto mais sensível. Não se trata de uma censura imposta. Porém, a partir do momento em que seus critérios são quantitativos e/ou só visam a rentabilidade, eles selecionam os produtos que acreditam poder assegurar esta rentabilidade. O mercado seleciona aquilo que é capaz de gerar lucros.

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