http://www.fsu.edu/~philo/new%20site/staff/ruse.htm
É a teoria da evolução uma construção social, ou um modelo do modo como o mundo é?MICHAEL RUSE — Eu quero afirmar que é as duas coisas, e que essa é, de algum modo, uma falsa dicotomia. A teoria da evolução é uma tentativa de modelar o modo como o mundo é, apesar de, pela minha parte, ter muitas dúvidas quanto ao realismo metafísico. Mas é igualmente claro que a ciência é afectada pela cultura, nomeadamente através das metáforas — e eu não estou certo que seja possível livrarmo-nos das metáforas. Assim, a ciência será sempre, num certo sentido, um reflexo da cultura — este é o tema do último capítulo do meu livro. Aliás, parece-me que as próprias regras epistemológicas são culturais num certo sentido — pelo menos no sentido em que são usadas para promover o profissionalismo na ciência.Isto não devia ser surpreendente. Afinal, a ciência é uma actividade a par de todas as outras actividades humanas — não nos foi dada por um Deus qualquer. Mas então que sentido fazem as chamadas "guerras da ciência"?Sejamos francos: as guerras da ciência são em grande parte sensacionalismo e ignorância. Acho que o professor médio de literatura ou sociologia pouco ou nada sabe de ciência; e, conversamente, os cientistas são muitas vezes terrivelmente cegos no que respeita ao seu próprio trabalho. E é por isso que são necessários livros equilibrados... como o meu!É evidente que isto é imodesto, mas eu estou muito satisfeito com este livro. Propus-me fazer algo que funcionou muito bem. Contudo, não há dúvida que os subjectivistas não irão ceder um milímetro — o que não significa que tenham razão. Por exemplo, só porque algo é influenciado pela cultura não significa que é tão bom quanto outra coisa qualquer. Pelo menos, penso que podemos trabalhar com um tipo qualquer de teoria da verdade como coerência — e se uma metáfora for mais frutífera do que outra, muito bem.
A objectividade da ciência não está em risco mesmo que sejamos não-realistas?Sem dúvida que não! E esse é o objectivo do meu livro: argumentar que podemos ter um sentido de objectividade apesar de o problema do realismo não estar resolvido (podendo até ser insolúvel).
Se a ciência é uma actividade humana como as outras, será a ideia das Duas Culturas, de C. P. Snow, um mito?Esta questão é muito interessante. Reli recentemente o ensaio de Snow. Sempre pensei que o ataque de Leavis era ad hominem e que pouco dizia. Penso que Snow tem razão quanto às duas culturas, mas é necessário ver que ele está a falar sobre a cultura no sentido alemão, com "K" maiúsculo. Isto é, ele está a falar da literatura, música, etc., ao passo que no debate sobre a questão de saber se a realidade é uma construção social estamos a falar de outra coisa — da cultura a que todos pertencemos. Assim, defender que as mulheres têm os mesmos direitos dos homens faz parte da cultura ocidental actual, mas não é necessariamente parte da Cultura (apesar de o poder ser — por exemplo, nos romances de Margaret Drabble).De facto, sem dúvida que o ensino universitário britânico que eu conheci à quarenta anos estava terrivelmente dividido entre as artes e as ciências. No meu caso, não fazia mais nada senão matemática o dia inteiro. Mas no meu ensino, na América do Norte, tento equilibrar as coisas.Mas afinal como se define exactamente a ciência e a cultura?Penso que a ciência é o estudo empírico do mundo, que procura subsumir as coisas sob leis. Este foi um aspecto da ciência que mencionei quando fui chamado a testemunhar em tribunal contra os criacionistas, em 1981, no Arkansas.Quanto a «cultura», penso que há diferentes usos da palavra. Num sentido é aquilo em que estamos mergulhados, noutro sentido refere-se à arte: pintura, música, etc. O primeiro sentido é o que é relevante para o debate. Podemos dizer que comer é uma necessidade biológica; mas eu como carne muito condimentada porque sou inglês e isso é parte da minha cultura.
Mas se a ciência é o que afirma, nem a matemática nem a arqueologia são ciências.Não me parece que a matemática pura seja realmente uma ciência empírica, apesar de ser usada pela ciência. Quanto à arqueologia, alguns aspectos são sem dúvida científicos, mas suspeito que outros aspectos se aproximam mais da história ou da filosofia.Parece-me que quando se usa a palavra "ciência", normalmente, se tem em mente a ciência empírica. Mas por vezes usa-se a palavra de um modo mais inclusivo. Provavelmente para algumas pessoas a ciência restringe-se aos aspectos físicos e biológicos, usando outra palavra para falar das ciências sociais. Aqui na Universidade Estadual da Florida temos uma faculdade de artes e ciências, e depois outra faculdade para as ciências sociais.Na verdade, eu preferiria falar de ciência teórica, ou coisa assim, incluindo assim a matemática. Mas, normalmente, ao falar de ciência apenas eu quero dizer ciência empírica. Por outro lado, eu procuro tornar a filosofia uma ciência empírica, pois uso a ciência e a sua história como dados empíricos.Concordaria com a ideia de que os padrões epistémicos de que os cientistas tanto se orgulham, e que eles pensam que colocam a ciência num domínio completamente diferente dos outros estudos, são afinal exigências de qualquer estudo académico sério? E nesse caso não será que o alegado abismo entre, digamos a história e a biologia, ou entre a física e a filosofia, é uma ilusão?Boa pergunta! Sou um naturalista em filosofia e sempre tentei conscienciosamente ser empírico no meu trabalho. Este livro é uma tentativa explícita de fazer este tipo de filosofia. Todas as histórias acerca dos diferentes cientistas apresentados no livro não são apenas "palha" ou coisas divertidas; elas procuram contribuir para a conclusão a que chego no capítulo final.Uma recensão na Mind dizia que um livro de epistemologia para o grande público não é uma coisa má, e o autor gostou do meu livro. Fiquei satisfeito por ele ter gostado, mas não tenho a certeza de que quero que o meu livro seja exclusivamente um livro de epistemologia para o grande público — pois penso que apresento conclusões importantes, no fim do livro, usando métodos científicos.É claro que nem toda a filosofia é feita assim, e no fim do livro admito que não posso resolver o problema do realismo. Talvez isto queira dizer que é um não-problema, não tenho a certeza.
É sem dúvida um não-problema se formos verificacionistas. Mas quereremos realmente aceitar a ideia de que os problemas que não podem ser empiricamente resolvidos não têm sentido?
Não tenho a certeza de que se um problema não pode ser resolvido empiricamente não tem sentido. Não penso que a questão de saber se Deus existe não tem sentido, e no entanto não é empiricamente resolúvel. Mas penso que algumas questões não podem ser resolvidas pelo filósofo naturalista, e por essa razão pode ser que não façam sentido. Talvez o realismo metafísico pertença a esse campo, não tenho a certeza. No livro Taking Darwin Seriously enfrentei um pouco esse problema.
O seu livro mostra que à medida que a biologia evolucionista se desenvolve os valores culturais estão cada vez menos presentes e os cientistas tornam-se cada vez mais objectivos. Acha que isto acontece também com as outras ciências, incluindo as ciências sociais e humanas?A minha resposta resulta da abordagem naturalista ou empírica que adopto: não posso dizer o que se passa com as outras ciências porque não as estudei empiricamente. Parece-me que o que acontece com a biologia evolucionista acontece também com as outras ciências, mas até fazer os estudos adequados não sei.Quando comecei a estudar a ideia de progresso na biologia evolucionista pensei que iria confirmar que os evolucionistas de hoje não falam do progresso porque já não acreditam nisso — mas descobri, ao invés, que acreditam no progresso, mas não falam nisso porque contraria as normas do que lhes ensinam que é a ciência profissional de qualidade. Isto foi para mim uma descoberta empírica, que o meu método de abordagem tornou possível.E essa é basicamente a mensagem de O Mistério de Todos os Mistérios: quem quiser fazer boa filosofia da ciência tem de estudar a ciência e a sua história.E o criacionismo? É ou não uma ciência?Acho que não, pois viola as regras da ciência e não apela consistentemente para leis. Foi o que defendi no meu testemunho, no caso de Arkansas, em 1981, e é o que explico em But is it Science?Contudo, mais tarde, em 1993, surpreendeu a sua audiência, numa conferência, ao declarar que tinha acabado por encarar a teoria da evolução como algo que, em última análise, se baseia em vários pressupostos filosóficos não demonstrados. Significa isto que a ciência se baseia também em pressupostos filosóficos?É precisamente isso que O Mistério de Todos os Mistérios se propõe esclarecer: até que ponto a cultura interage com a ciência, deixando, no entanto, espaço para que possamos falar de objectividade. Dito isto, penso que a teoria da evolução funciona realmente muitas vezes como uma religião secular para algumas pessoas, e não apenas como ciência — e este é o tema do livro que estou neste momento a escrever (Evolution: An Alternative History).
Pensa então que a religião não está assim tão longe da ciência como muitas pessoas pensam?
Penso que a religião pode muitas vezes ser uma motivação para fazer ciência, mas penso que são duas coisas muito diferentes. Esse é o tema dos meus livros Can a Darwinian be a Christian? e Darwin and Design.Nos últimos anos os filósofos têm mostrado um interesse cada vez maior na filosofia da biologia e a revista por si fundada (Philosophy and Biology) desempenhou um papel crucial. Sente-se satisfeito por isso?Sem dúvida que sim, pois pude contribuir para o desenvolvimento da área, no sentido em que desempenhei um serviço em prol da área (e é evidente que tentei também dar-lhe uma certa direcção). É o que tento também fazer com a colecção de livros que dirijo na Cambridge University Press, a Cambridge Studies in Philosophy and Biology.Pode dizer-nos algo sobre o seu novo livro, Darwin and Design?Será que Darwin destrói a teleologia e em particular o argumento do desígnio? No livro defendo que, depois de Darwin, o argumento não pode ser o mesmo — mas que há uma forma de teleologia que está viva e de saúde hoje em dia. O livro expande um artigo que publiquei na revista Studies in History and Philosophy of the Life Sciences há cerca de dois anos.
Não tenho a certeza de que se um problema não pode ser resolvido empiricamente não tem sentido. Não penso que a questão de saber se Deus existe não tem sentido, e no entanto não é empiricamente resolúvel. Mas penso que algumas questões não podem ser resolvidas pelo filósofo naturalista, e por essa razão pode ser que não façam sentido. Talvez o realismo metafísico pertença a esse campo, não tenho a certeza. No livro Taking Darwin Seriously enfrentei um pouco esse problema.
O seu livro mostra que à medida que a biologia evolucionista se desenvolve os valores culturais estão cada vez menos presentes e os cientistas tornam-se cada vez mais objectivos. Acha que isto acontece também com as outras ciências, incluindo as ciências sociais e humanas?A minha resposta resulta da abordagem naturalista ou empírica que adopto: não posso dizer o que se passa com as outras ciências porque não as estudei empiricamente. Parece-me que o que acontece com a biologia evolucionista acontece também com as outras ciências, mas até fazer os estudos adequados não sei.Quando comecei a estudar a ideia de progresso na biologia evolucionista pensei que iria confirmar que os evolucionistas de hoje não falam do progresso porque já não acreditam nisso — mas descobri, ao invés, que acreditam no progresso, mas não falam nisso porque contraria as normas do que lhes ensinam que é a ciência profissional de qualidade. Isto foi para mim uma descoberta empírica, que o meu método de abordagem tornou possível.E essa é basicamente a mensagem de O Mistério de Todos os Mistérios: quem quiser fazer boa filosofia da ciência tem de estudar a ciência e a sua história.E o criacionismo? É ou não uma ciência?Acho que não, pois viola as regras da ciência e não apela consistentemente para leis. Foi o que defendi no meu testemunho, no caso de Arkansas, em 1981, e é o que explico em But is it Science?Contudo, mais tarde, em 1993, surpreendeu a sua audiência, numa conferência, ao declarar que tinha acabado por encarar a teoria da evolução como algo que, em última análise, se baseia em vários pressupostos filosóficos não demonstrados. Significa isto que a ciência se baseia também em pressupostos filosóficos?É precisamente isso que O Mistério de Todos os Mistérios se propõe esclarecer: até que ponto a cultura interage com a ciência, deixando, no entanto, espaço para que possamos falar de objectividade. Dito isto, penso que a teoria da evolução funciona realmente muitas vezes como uma religião secular para algumas pessoas, e não apenas como ciência — e este é o tema do livro que estou neste momento a escrever (Evolution: An Alternative History).
Pensa então que a religião não está assim tão longe da ciência como muitas pessoas pensam?
Penso que a religião pode muitas vezes ser uma motivação para fazer ciência, mas penso que são duas coisas muito diferentes. Esse é o tema dos meus livros Can a Darwinian be a Christian? e Darwin and Design.Nos últimos anos os filósofos têm mostrado um interesse cada vez maior na filosofia da biologia e a revista por si fundada (Philosophy and Biology) desempenhou um papel crucial. Sente-se satisfeito por isso?Sem dúvida que sim, pois pude contribuir para o desenvolvimento da área, no sentido em que desempenhei um serviço em prol da área (e é evidente que tentei também dar-lhe uma certa direcção). É o que tento também fazer com a colecção de livros que dirijo na Cambridge University Press, a Cambridge Studies in Philosophy and Biology.Pode dizer-nos algo sobre o seu novo livro, Darwin and Design?Será que Darwin destrói a teleologia e em particular o argumento do desígnio? No livro defendo que, depois de Darwin, o argumento não pode ser o mesmo — mas que há uma forma de teleologia que está viva e de saúde hoje em dia. O livro expande um artigo que publiquei na revista Studies in History and Philosophy of the Life Sciences há cerca de dois anos.
Muito bom, quero ler os livros desse senhor um dia.
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