quarta-feira, 3 de junho de 2009

Michael Ruse

Michael Ruse
http://www.fsu.edu/~philo/new%20site/staff/ruse.htm
É a teoria da evolução uma construção social, ou um modelo do modo como o mundo é?MICHAEL RUSE — Eu quero afirmar que é as duas coisas, e que essa é, de algum modo, uma falsa dicotomia. A teoria da evolução é uma tentativa de modelar o modo como o mundo é, apesar de, pela minha parte, ter muitas dúvidas quanto ao realismo metafísico. Mas é igualmente claro que a ciência é afectada pela cultura, nomeadamente através das metáforas — e eu não estou certo que seja possível livrarmo-nos das metáforas. Assim, a ciência será sempre, num certo sentido, um reflexo da cultura — este é o tema do último capítulo do meu livro. Aliás, parece-me que as próprias regras epistemológicas são culturais num certo sentido — pelo menos no sentido em que são usadas para promover o profissionalismo na ciência.Isto não devia ser surpreendente. Afinal, a ciência é uma actividade a par de todas as outras actividades humanas — não nos foi dada por um Deus qualquer. Mas então que sentido fazem as chamadas "guerras da ciência"?Sejamos francos: as guerras da ciência são em grande parte sensacionalismo e ignorância. Acho que o professor médio de literatura ou sociologia pouco ou nada sabe de ciência; e, conversamente, os cientistas são muitas vezes terrivelmente cegos no que respeita ao seu próprio trabalho. E é por isso que são necessários livros equilibrados... como o meu!É evidente que isto é imodesto, mas eu estou muito satisfeito com este livro. Propus-me fazer algo que funcionou muito bem. Contudo, não há dúvida que os subjectivistas não irão ceder um milímetro — o que não significa que tenham razão. Por exemplo, só porque algo é influenciado pela cultura não significa que é tão bom quanto outra coisa qualquer. Pelo menos, penso que podemos trabalhar com um tipo qualquer de teoria da verdade como coerência — e se uma metáfora for mais frutífera do que outra, muito bem.
A objectividade da ciência não está em risco mesmo que sejamos não-realistas?Sem dúvida que não! E esse é o objectivo do meu livro: argumentar que podemos ter um sentido de objectividade apesar de o problema do realismo não estar resolvido (podendo até ser insolúvel).
Se a ciência é uma actividade humana como as outras, será a ideia das Duas Culturas, de C. P. Snow, um mito?Esta questão é muito interessante. Reli recentemente o ensaio de Snow. Sempre pensei que o ataque de Leavis era ad hominem e que pouco dizia. Penso que Snow tem razão quanto às duas culturas, mas é necessário ver que ele está a falar sobre a cultura no sentido alemão, com "K" maiúsculo. Isto é, ele está a falar da literatura, música, etc., ao passo que no debate sobre a questão de saber se a realidade é uma construção social estamos a falar de outra coisa — da cultura a que todos pertencemos. Assim, defender que as mulheres têm os mesmos direitos dos homens faz parte da cultura ocidental actual, mas não é necessariamente parte da Cultura (apesar de o poder ser — por exemplo, nos romances de Margaret Drabble).De facto, sem dúvida que o ensino universitário britânico que eu conheci à quarenta anos estava terrivelmente dividido entre as artes e as ciências. No meu caso, não fazia mais nada senão matemática o dia inteiro. Mas no meu ensino, na América do Norte, tento equilibrar as coisas.Mas afinal como se define exactamente a ciência e a cultura?Penso que a ciência é o estudo empírico do mundo, que procura subsumir as coisas sob leis. Este foi um aspecto da ciência que mencionei quando fui chamado a testemunhar em tribunal contra os criacionistas, em 1981, no Arkansas.Quanto a «cultura», penso que há diferentes usos da palavra. Num sentido é aquilo em que estamos mergulhados, noutro sentido refere-se à arte: pintura, música, etc. O primeiro sentido é o que é relevante para o debate. Podemos dizer que comer é uma necessidade biológica; mas eu como carne muito condimentada porque sou inglês e isso é parte da minha cultura.
Mas se a ciência é o que afirma, nem a matemática nem a arqueologia são ciências.Não me parece que a matemática pura seja realmente uma ciência empírica, apesar de ser usada pela ciência. Quanto à arqueologia, alguns aspectos são sem dúvida científicos, mas suspeito que outros aspectos se aproximam mais da história ou da filosofia.Parece-me que quando se usa a palavra "ciência", normalmente, se tem em mente a ciência empírica. Mas por vezes usa-se a palavra de um modo mais inclusivo. Provavelmente para algumas pessoas a ciência restringe-se aos aspectos físicos e biológicos, usando outra palavra para falar das ciências sociais. Aqui na Universidade Estadual da Florida temos uma faculdade de artes e ciências, e depois outra faculdade para as ciências sociais.Na verdade, eu preferiria falar de ciência teórica, ou coisa assim, incluindo assim a matemática. Mas, normalmente, ao falar de ciência apenas eu quero dizer ciência empírica. Por outro lado, eu procuro tornar a filosofia uma ciência empírica, pois uso a ciência e a sua história como dados empíricos.Concordaria com a ideia de que os padrões epistémicos de que os cientistas tanto se orgulham, e que eles pensam que colocam a ciência num domínio completamente diferente dos outros estudos, são afinal exigências de qualquer estudo académico sério? E nesse caso não será que o alegado abismo entre, digamos a história e a biologia, ou entre a física e a filosofia, é uma ilusão?Boa pergunta! Sou um naturalista em filosofia e sempre tentei conscienciosamente ser empírico no meu trabalho. Este livro é uma tentativa explícita de fazer este tipo de filosofia. Todas as histórias acerca dos diferentes cientistas apresentados no livro não são apenas "palha" ou coisas divertidas; elas procuram contribuir para a conclusão a que chego no capítulo final.Uma recensão na Mind dizia que um livro de epistemologia para o grande público não é uma coisa má, e o autor gostou do meu livro. Fiquei satisfeito por ele ter gostado, mas não tenho a certeza de que quero que o meu livro seja exclusivamente um livro de epistemologia para o grande público — pois penso que apresento conclusões importantes, no fim do livro, usando métodos científicos.É claro que nem toda a filosofia é feita assim, e no fim do livro admito que não posso resolver o problema do realismo. Talvez isto queira dizer que é um não-problema, não tenho a certeza.
É sem dúvida um não-problema se formos verificacionistas. Mas quereremos realmente aceitar a ideia de que os problemas que não podem ser empiricamente resolvidos não têm sentido?
Não tenho a certeza de que se um problema não pode ser resolvido empiricamente não tem sentido. Não penso que a questão de saber se Deus existe não tem sentido, e no entanto não é empiricamente resolúvel. Mas penso que algumas questões não podem ser resolvidas pelo filósofo naturalista, e por essa razão pode ser que não façam sentido. Talvez o realismo metafísico pertença a esse campo, não tenho a certeza. No livro Taking Darwin Seriously enfrentei um pouco esse problema.
O seu livro mostra que à medida que a biologia evolucionista se desenvolve os valores culturais estão cada vez menos presentes e os cientistas tornam-se cada vez mais objectivos. Acha que isto acontece também com as outras ciências, incluindo as ciências sociais e humanas?A minha resposta resulta da abordagem naturalista ou empírica que adopto: não posso dizer o que se passa com as outras ciências porque não as estudei empiricamente. Parece-me que o que acontece com a biologia evolucionista acontece também com as outras ciências, mas até fazer os estudos adequados não sei.Quando comecei a estudar a ideia de progresso na biologia evolucionista pensei que iria confirmar que os evolucionistas de hoje não falam do progresso porque já não acreditam nisso — mas descobri, ao invés, que acreditam no progresso, mas não falam nisso porque contraria as normas do que lhes ensinam que é a ciência profissional de qualidade. Isto foi para mim uma descoberta empírica, que o meu método de abordagem tornou possível.E essa é basicamente a mensagem de O Mistério de Todos os Mistérios: quem quiser fazer boa filosofia da ciência tem de estudar a ciência e a sua história.E o criacionismo? É ou não uma ciência?Acho que não, pois viola as regras da ciência e não apela consistentemente para leis. Foi o que defendi no meu testemunho, no caso de Arkansas, em 1981, e é o que explico em But is it Science?Contudo, mais tarde, em 1993, surpreendeu a sua audiência, numa conferência, ao declarar que tinha acabado por encarar a teoria da evolução como algo que, em última análise, se baseia em vários pressupostos filosóficos não demonstrados. Significa isto que a ciência se baseia também em pressupostos filosóficos?É precisamente isso que O Mistério de Todos os Mistérios se propõe esclarecer: até que ponto a cultura interage com a ciência, deixando, no entanto, espaço para que possamos falar de objectividade. Dito isto, penso que a teoria da evolução funciona realmente muitas vezes como uma religião secular para algumas pessoas, e não apenas como ciência — e este é o tema do livro que estou neste momento a escrever (Evolution: An Alternative History).
Pensa então que a religião não está assim tão longe da ciência como muitas pessoas pensam?
Penso que a religião pode muitas vezes ser uma motivação para fazer ciência, mas penso que são duas coisas muito diferentes. Esse é o tema dos meus livros Can a Darwinian be a Christian? e Darwin and Design.Nos últimos anos os filósofos têm mostrado um interesse cada vez maior na filosofia da biologia e a revista por si fundada (Philosophy and Biology) desempenhou um papel crucial. Sente-se satisfeito por isso?Sem dúvida que sim, pois pude contribuir para o desenvolvimento da área, no sentido em que desempenhei um serviço em prol da área (e é evidente que tentei também dar-lhe uma certa direcção). É o que tento também fazer com a colecção de livros que dirijo na Cambridge University Press, a Cambridge Studies in Philosophy and Biology.Pode dizer-nos algo sobre o seu novo livro, Darwin and Design?Será que Darwin destrói a teleologia e em particular o argumento do desígnio? No livro defendo que, depois de Darwin, o argumento não pode ser o mesmo — mas que há uma forma de teleologia que está viva e de saúde hoje em dia. O livro expande um artigo que publiquei na revista Studies in History and Philosophy of the Life Sciences há cerca de dois anos.

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