sexta-feira, 1 de maio de 2009

Richard Lewontin

Professor Lewontin, estaria a biotecnologia acima do bem e do mal?Richard Lewontin: A ciência é moldada pela sociedade porque ela é uma atividade produtiva humana que demanda tempo e dinheiro. Portanto, ela é guiada por aquelas forças do mundo que controlam o tempo e o dinheiro. Muitas pessoas ganham dinheiro e sobrevivem da ciência, e conseqüentemente as forças econômicas dominantes determinam em larga medida o que a ciência faz e como ela faz. Mais do que isso: tais forças têm o poder de se apropriar das idéias científicas que são particularmente úteis para a manutenção e continuidade das estruturas sociais. É um processo duplo: por um lado, o controle sobre o que os cientistas fazem e dizem; por outro, o reforço dos valores dominantes da sociedade de determinada época. Explico esse fenômeno quando falo da ciência como ideologia.Professor Lewontin, considerando que a biotecnologia é vendida como uma ciência capaz de tudo modificar, seríamos, enfim, títeres sem importância comandados pela vontade dos genes?Richard Lewontin: Os genes são modificados pelas condições de trabalho, psicológicas, sociais, antropológicas. Defini-los como sistemas fechados seria um dos artefatos mais eficientes de discurso biológico enquanto ideologia.Nosso desenvolvimento não depende da herança genética, mas da temperatura, umidade, nutrição, cheiros, visões, sons que nos impregnam. Não se pode dizer o que um organismo será. As causas do câncer, por exemplo, não estão apenas nos genes. Estão mais nas condições sociais a que nós, sistemas abertos, estamos condicionados (PVC, amianto). A causa da tuberculose não era o bacilo, mas as condições sociais do século XIX: acusaram uma pobre bactéria!O processo de metonimização prossegue: a parte pelo todo. Nossos genes, diz a mídia, podem gerar o alcoolismo ou a tendência ao consumo de drogas. A discussão reduz tudo aos genes. Mas os genes não podem fazer nada. Isolar o gene é um artefato ideológico.
Poderia o senhor fazer uma síntese de sua crítica à sociedade biocrática?Richard Lewontin: A imprensa fetichiza o DNA; o Projeto Genoma Humano é uma fábrica de fazer dinheiro; as discussões sobre biotecnologia não levam em consideração pensamentos complexos; as empresas de biotecnologia ressuscitam uma antiga vontade eugênica, consideram somente a “força interior” e as influências do meio sobre o ser são deixadas de lado.Sabemos que na origem da biologia analítica moderna está a visão excludente que despreza as “forças externas”. Antes do século XIX, as forças internas e externas não eram vistas como separadas. Para Lamarck, por exemplo, a forma e a função são adaptações ao mundo exterior. Como o senhor vê esse diálogo entre o “interior” e o “exterior” num ser vivo?Richard Lewontin: Um organismo vivo, em qualquer instante de sua vida, é conseqüência única de uma história de desenvolvimento resultante da inter-relação e determinação das forças internas e externas. As forças externas, aquilo que chamamos usualmente de “natureza”, são elas mesmas parcialmente conseqüências das atividades do organismo em si, já que ele produz e consome as condições de sua própria existência. Assim, organismos não encontram o mundo no qual eles se desenvolvem, eles os criam. Reciprocamente, as forças internas não são autônomas, mas agem em resposta às forças externas. Parte da maquinaria química de uma célula só é manufaturada quando forças externas demandam. Por exemplo: a enzima que quebra a lactose do açúcar a fim de dar energia para o crescimento de bactérias só é manufaturada pelas células das bactérias quando elas detectam a presença de lactose na natureza.Vejam bem: nem mesmo o “interior” é idêntico ao “genético”. As moscas das frutas, por exemplo, têm pêlos longos que servem como órgãos sensórios, mais do que bigodes de gato. Algumas moscas têm mais pêlos no lado esquerdo e outras mais no direito. No entanto, os dois lados da mosca têm os mesmos genes e têm a mesma natureza durante todo o desenvolvimento. A variação entre os lados é uma conseqüência de movimentos e eventos celulares durante o desenvolvimento, chamados de “ruídos de desenvolvimento”. É esse mesmo ruído que leva ao fato de gêmeos idênticos terem digitais diferentes e de nossas impressões digitais, da esquerda e da direita, serem diferentes entre si.
O crescente conhecimento sobre o genoma humano certamente influenciará as relações entre indivíduos e instituições, geralmente aumentando o poder das instituições sobre os indivíduos. Concretamente, como poderemos ser afetados?Richard Lewontin: As relações dos indivíduos com os agentes de assistência médica, com as escolas, com as cortes, com as empresas, são todas afetadas pela demanda de conhecimento sobre o status do DNA de cada um. A demanda dos empregadores por informações e diagnósticos sobre o DNA de empregados serve de duas formas. Primeiro, como mantenedores de seguro-saúde, diretamente ou mediante o pagamento de prêmios a companhias de seguro, os empregadores reduzem suas vagas apenas contratando trabalhadores com melhor prognóstico de saúde. Segundo, se há locais de trabalho insalubres, os empregadores só contratarão os trabalhadores menos sensíveis a essa insalubridade. Assim o empregador diminuirá os gastos com seguro-saúde. O desemprego e desamparo social também residirão nos genes.Na sua opinião, o que determina a singularidade de um organismo?Richard Lewontin: Existe já há muito tempo um vasto conjunto de evidências segundo as quais a origem e desenvolvimento de um organismo é conseqüência de uma interação singular entre os genes que ele possui, a seqüência temporal dos ambientes externos aos quais está sujeito durante a vida e eventos aleatórios de interações moleculares que ocorrem dentro de células individuais. São essas interações que devem ser incorporadas em uma explicação adequada acerca da formação de um organismo.O organismo não é determinado nem pelos seus genes, nem pelo seu ambiente, nem mesmo pela interação entre eles, mas carrega uma marca significativa de processos aleatórios. Para finalizar, qual a característica mais marcante da vida?Richard Lewontin: A característica marcante de um ser vivo é que ele reage aos estímulos externos, em vez de ser passivamente impulsionado por eles. A vida de um organismo consiste em constantes correções de rumo.

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