sexta-feira, 1 de maio de 2009

Michael Hardt

– Em seu livro, Império, o senhor considera a construção de um mercado global como um Império. Como este Império se constrói?Michael Hardt – Pode-se, incialmente, considerar a relação contemporânea entre o Império e o mercado capitalista global como paralela à relação previamente existente entre o estado-nação e o mercado capitalista nacional. No espaço nacional, o desenvolvimento da produção capitalista e dos mercados requeria o apoio do estado-nação. Capitalistas individuais podem ter conflitado entre si e com o próprio estado-nação, mas o estado-nação esforçou-se para garantir o juros de longo prazo do capital coletivo. Isto é o que Marx e Engels querem dizer quando, no manifesto comunista, definem o Estado como gerenciador ou comitê executivo do capital coletivo. Na fase contemporânea do desenvolvimento capitalista, entretanto, o estado-nação não é mais o aparato de regulamentação da atividade do capital em seu próprio interesse coletivo a longo prazo. A atividade do capital agora estende-se para além das fronteiras nacionais. Mas isso não significa que o capital tenha, agora, subitamente, se tornado autônomo e capaz de regular a si próprio. O capital necessita, ainda, das funções do estado de forma a garantir seu interesse coletivo. O Império que está se formando hoje preenche este papel. Pode-se pensar o Império, como com Marx e Engels, como o comitê gerenciador do capital global.– É certo afirmar que, após dois mil anos, é a primeira vez que o conceito de Império alcança sua forma mais completa e ilimitada? Por que isso?Michael Hardt – O conceito de Império sempre se centrou em torno da regra ilimitada. Os romanos, os chineses e vários outros Impérios antigos reconheciam que sua regra não abarcava toda a Terra, mas eles o concebiam, no entanto, de forma a incluir todo o mundo “civilizado”. Aqueles Impérios, no entanto, eram limitados como foram também os modernos colonialistas europeus e os projetos imperialistas. O Império de hoje, que se expande por todo o globo e por todo mercado mundial, é, neste sentido, o primeiro Império a alcançar a forma completa e ilimitada que seu conceito implica. – Quais podem ser as conseqüências disso?Michael Hardt – Uma conseqüência da natureza ilimitada do Império é que as alternativas a sua regra devem brotar de dentro do próprio Império. Um dos lemas repetidos diversas vezes em nossos livros é que hoje não há mais o “exterior”.
Formas anteriores da regra, por serem limitadas, tinham um exterior e alternativas a elas podiam se formar a partir de fora. Por exemplo, na virada do século XIX uma das estratégias dos revolucionários haitianos em sua luta contra a dominação colonial francesa era de se aliar primeiro com os ingleses e depois com os espanhóis. A maioria das lutas anti-coloniais tirou vantagem do jogo entre interior e exterior. Hoje, não há nenhum exterior para servir de apoio ao nosso combate contra o Império. Estamos todos dentro de sua regra. Devemos ser claros, entretanto: o fato de não existir nenhum exterior não significa que não haja nenhuma alternativa. Significa, antes de tudo, que uma alternativa deve emergir do interior. Vamos usar o pensamento de Marx novamente para ilustrar isso. Na visão de Marx, o proletariado está sempre dentro do capital: o proletariado só nasce da produção capitalista e, por sua vez, o proletariado continuamente produz capital. Sua natureza interna, no entanto, não quer dizer que o proletariado não possa desafiar o capital e inventar uma alternativa a ele. De fato, Marx viu as forças mais poderosas para contestar a regra capitalista como emergentes de dentro do seu domínio. Talvez da mesma maneira possamos dizer que o Império produz seus próprios coveiros.– A independência dos estados-nações está em declínio? Como podemos estar certos disso?Michael Hardt – É bem mais útil dizer que a soberania dos estados-nações está declinando. Isto não significa que os estados-nações não são mais importantes - pois eles certamente o são - mas antes disso certos elementos da regra escapam ao seu controle e situam-se, em vez disso, em um nível mais alto, isto é, o nível do Império. Devemos deixar claro, entretanto, que nem todos os estados-nações são iguais a esse respeito. Alguns estados-nações nunca foram soberanos. Moçambique, por exemplo, nunca, desde sua independência, foi capaz de exercer a regra da soberania, mas, em vez disso, tem estado sempre sujeito a poderes econômico, político e cultural estrangeiros. Os estados-nações dominantes, em contraste, como Estados Unidos, as nações européias e Japão foram, de fato, soberanas por um período significativo de suas histórias. O que há de novo sobre o Império é que a soberania desses estados-nações dominantes tem sido qualificada em diversos aspectos importantes.– Os Estados Unidos são o ponto central nesse novo projeto imperialista?
Ou nenhuma nação exercerá controle dessa posição? Que papel Estados Unidos e Comunidade Européia desempenham nesse processo?Michael Hardt – Nossa hipótese é de que nenhum estado-nação pode ter controle do processo. E é por isso que dizemos que o Império contemporâneo é muito diferente dos projetos imperialistas modernos das potências européias. O fato de o poder do Império estender-se para além do poder dos estados-nações, entretanto, não significa que todos os estados-nações são iguais em face disso. Os Estados Unidos certamente estão em posição privilegiada como estão, em menor grau, as nações européias e o Japão. – O Império é o fim da História? Por quê?Michael Hardt – O Império certamente não representa o fim da História. Haverá, continuamente, uma reabertura da História, ou seja, novas expressões da liberdade humana. Devo acrescentar, entretanto, que o Império apresenta-se como o fim da História em certos aspectos, da mesma forma que o capital apresenta-se como o fim da História. Teóricos capitalistas apresentam o capital como se ele fosse eterno e inevitável: toda a história humana conduzia à sociedade capitalista e o capital até mesmo coincide com a natureza humana (competição, interesse próprio, etc.). O Império apresenta-se como eterno e inevitável da mesma maneira. É nosso papel, contrariamente, mostrar que isto não é verdade. Capital e Império não são eternos, mas representam fases transitórias da história humana que eventualmente cederão seu lugar a novas formas de regra.– Como as pessoas podem construir o anti-Império?Michael Hardt – Esta é a questão mais importante e nós não temos a resposta para ela. Em certa medida, as formas de rebelião e as formas alternativas de sociedade têm de ser inventadas na prática. Uma manifestação disso está clara nos vários eventos que contestam a forma contemporânea de globalização capitalista, de Seattle e Gênova a Porto Alegre. Não podemos dizer, e não é nossa posição dizê-lo, que forma esses movimentos tomarão, mas estamos confiantes, baseados em nosso entendimento da história humana, que a coletividade se rebelará e descobrirá novas formas de democracia e liberdade.– Por que a genealogia do Império é primariamente européia antes de se tornar euro-americana?Michael Hardt – A genealogia do Império é primeiramente européia porque na era moderna a Europa, de forma mais bem-sucedida, desenvolveu formas de dominação global. A Europa foi, provavelmente, a mais bem- sucedida em seus esforços de conquista global - mais bem-sucedida, por exemplo, do que a China ou as nações árabes - por causa do desenvolvimento do capital na Europa. O capital foi o motor da expansão européia: ele tornou a dominação global possível e necessária. – Em seu livro, você e Antonio Negri fizeram a opção por um enfoque multidisciplinar (filosófico, histórico, cultural e econômico, político e antropológico). Por que escolheram estação opção?Michael Hardt – Antes de tudo, a crescente especialização dos conhecimentos tem seguidamente resultado em uma falta de perspectiva e compreensão. Isso tem sido verdade por toda a modernidade. Em segundo lugar, e mais importante, os processos contemporâneos de globalização nos forçam a adotar um enfoque interdisciplinar. Hoje a economia é crescentemente cultural e crescentemente econômica. Não se pode entender adequadamente o funcionamento da economia sem incorporar também um estudo do fenômeno cultural. O mesmo é verdade para o estudo da cultura. Em outras palavras, nossa situação global está tornando necessário um enfoque multidisciplinar.

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