http://www.sci.fi/~solaris/duras/O que a senhora pretende ao escrever "Os Amantes de Viorne"?Marguerite Duras - Eu procuro quem é essa mulher, Claire Lannes. Ela cometeu um crime, não deu nenhuma explicação para esse crime. Então eu procuro essa explicação.O que é que a senhora sabe sôbre ela, sôbre seu crime?MD - Há vinte anos Claire morava em Viorne, desde o seu casamento com Pierre Lannes. Eles moravam na Rue de la Paix. Ela nunca teve filhos, nunca trabalhou. Pierre Lannes era duas vêzes aposentado: como militar e como funcionário da estrada de ferro. Dizem que êle era muito miserável.Claire Lannes deu-lhe uma cacetada na cabeça, enquanto êle estava lendo o jornal. Depois, com uma machadinha de cozinha, cortou-o em pedaços. O primeiro pedaço foi descoberto no dia 30 de dezembro de 1949, em um trem.Os outros pedaços foram aparecendo em outros trens, nos mais variados pontos da França. A primeira delegacia de Paris, que dirigia as investigações, acabou descobrindo que os trens que carregavam esses pedaços do corpo humano passavam todos, não importando seus destinos, pelo Viaduto da Montanha, em Viorne. Quando Claire se viu frente a frente com a policia, confessou imediatamente o seu crime. Mas nunca deu explicação nenhuma.O relatório da policia, depois de ter interrogado os vizinhos de Claire Lannes, concluia que a acusada parecia ter atingido o "mais alto grau da aversão humana" quando cometeu o crime.Ela foi condenada a cinco anos de prisão. Parece que voltou a Viorne depois de ter sido sôlta. Há dois anos foi vista novamente na cidade. Estava esperando o ônibus na rodoviária.
Por que na sua versão da história, Claire Lannes mata a sua prima-irmã surda-muda de nascimento?MD - Porque eu queria saber quem foi Pierre Lannes e ter o seu testemunho sôbre a mulher. Tirei-o do túmulo para que fôsse ouvido por todos, pelo menos uma vez na vida. Êle, também, era surdo-mudo, assim como a vitima: êle representava. Êle é a pequena burguesia francesa, morta viva assim que chega na idade de "pensar". Assassinada pela herança ancestral do formalismo.No lugar desta "pedra", fiz Claire Lannes matar uma verdadeira surda-muda. Aliás, se ela soubesse dar suas razões, constatariamos que eram as mesmas, fôsse o crime êste ou aquêle, pois na realidade o que ela matou foi a própria morte.A senhora não acha que esta burguesia poderá ficar chocada com os sinais exteriores do crime de Claire Lannes?MD - Isto nunca seria razão suficiente para escondê-los. A burguesia sempre fica horrorizada pelo sangue quando a gente fala nêle. Essa burguesia vai passar férias sob o sol da Grécia dos coronéis que assassinam os "subversivos" nas suas prisões, bem fechadas, sem deixar marcas de sangue. Mas falar do crime de Claire Lannes lhe dá ânsias.Acredito que os Lannes eram proletários. Rebaixei-os à condição de burgueses, para que seus pares se reconheçam nêles. Falo de Pierre Lannes. Claire Lannes, devido à sua loucura e ao crime que ela cometeu, é uma desclassificada.Êsse crime existiu, ninguem o inventou. As pessoas podem escolher entre tomar ou não conhecimento dêle. É só escolher.Quem frequentava a casa dos Lannes?MD - Ninguem. Na vida das cidades pequenas, ninguem vai a casa dos outros. Só a familia. O que não impede que todos saibam de tudo sôbre todos.Como a senhora vê Pierre Lannes?MD - Êle teve ambições politicas. Apresentou-se para vereador em Viorne. Não foi eleito e isto foi uma grande decepção para êle. Se êle tivesse tido instrução suficiente e os meios financeiros necessários, Pierre Lannes teria se candidato a deputado pelo partido dominante. Provavelmente teria sido eleito. Eu o vejo nacionalista, sentimental, legicista, falso, dissimulador: o perfeito jesuita.
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