sábado, 2 de maio de 2009

luigi luca cavalli-sforza

Ser mestiço é que é bom, como dizia Darcy Ribeiro? Talvez seja surpreendente para algumas pessoas que a aparência física, como cor da pele, não sejam bons indícios da herança genética. Os brasileiros estão certamente entre os povos mais misturados do planeta, embora não sejam os únicos. A diferença é que nenhum dos outros grupos mestiços forma um povo tão vasto. O Brasil teve a boa sorte de não ver o racismo prosperando, como costuma acontecer noutros cantos. Isto provavelmente vem de uma herança portuguesa, povo que já demonstrava predisposição pela mistura racial desde os tempos de suas primeiras colônias, na África. O estudo de nossas origens genéticas apenas confirma o que já estava claro para bons observadores: a mistura entre povos e a produção daquilo que nós geneticistas chamamos de híbridos não traz qualquer desvantagem do ponto de vista genético. Até melhora, traz uma vantagem naquilo que chamamos de “vigor híbrido”. 2. Ainda é possível dizer que existem raças humanas? As diferenças entre povos de locais geográficos distintos são claramente visíveis, caso de cor da pele e tamanho e formato das partes do corpo. Estas características refletem adaptações ao clima local que surgiram após a espécie humana se originar na África Oriental, há relativamente pouco tempo (não mais que 100 ou 150 mil anos, período bastante curto na escala evolutiva) e, naturalmente, após deixar a África, há coisa de 50 ou 60 mil anos. De qualquer forma, estas diferenças são triviais em todos os aspectos essenciais. A grande maioria das diferenças genéticas se encontram entre um indivíduo e outro, jamais entre um povo e outro. Falando em números, mais de 90% das diferenças genéticas se dão entre duas pessoas de um mesmo povo. Apenas 10% da variação se dá entre, digamos, europeus e asiáticos, entre africanos e americanos nativos. Isto acontece porque a nossa é uma espécie muito jovem e ainda não houve tempo evolutivo para nos diferenciarmos. Quer dizer: não existem raças distintas entre os homens.
A idéia de etnia ainda serve para explicar algo a nosso respeito? A utilidade do conceito de “etnia” depende de sua definição. Para mim, diferenças étnicas são as diferenças entre os povos, tanto genéticas quanto culturais. As distinções culturais são compostas pelo que aprendemos na sociedade em que somos criados. É natural que tenhamos dificuldades na hora de entender se um comportamento particular é determinado genética ou culturalmente. Por exemplo: o comportamento criminoso é determinado pelos nossos genes ou pela nossa cultura? Está claro que em grande parte o que determina é a cultura. Mas é difícil excluir de todo a tendência inata em alguns casos raros. É aí que o conceito de “etnia” nos ajuda. Ele nos permite deixar para lá a questão de se algo é cultural ou genético, principalmente nos casos em que a ciência não tem ainda a capacidade de definir. 4. Que outras pistas a genética pode oferecer a respeito de nossa história humana? Em geral, os lingüistas têm uma profunda dificuldade de alcançar um consenso em uma das questões mais importantes de sua disciplina, que é a de se a linguagem surgiu uma única vez, ou se teve múltiplas origens. Isto acontece porque a maioria destes especialistas não têm interesse em estudar línguas de forma comparada. Como geneticista, estou convencido de que houve uma única origem para todas as línguas faladas atualmente. Todos os humanos vivos descendem daquele grupo relativamente pequeno que viveu na África Oriental há 100 mil anos. Esta tribo cresceu numericamente e se expandiu pelo resto do mundo, da África para o Oriente Médio, então para a Ásia e Europa. Por definição, tribos falam a mesma língua, e a linguagem, por conta de seu gigantesco potencial de comunicação, há de ter sido uma força importante sem a qual a grande migração que levou o homem a todos os cantos do planeta não teria sido possível. Todos temos a mesma capacidade intelectual de adquirir esta técnica de comunicação que é a língua. Ela, junto com nossa capacidade de inventar novas máquinas, são as características que nos diferenciam dos outros animais. Embora, sempre é bom lembrar, esta é uma questão de graus. Animais também se comunicam e inventam ferramentas. A diferença na habilidade é que é tremenda. 5. O estudo das origens dos povos pode auxiliar na resolução de conflitos políticos? Nas questões de terra, como os embates entre judeus e palestinos, não adianta saber quem estava lá primeiro. A propriedade de terras tem origem histórica, a maior parte das propriedades foi adquirida de forma violenta em guerras e, mesmo em tempos de paz, não é raro que propriedades sejam conquistadas por meios desonestos. No caso dos bascos, o problema sequer é de quem chegou primeiro. Eles são um povo muito, muito antigo. Sua língua pertence à família de línguas que se espalhou por todo o mundo antes das ondas migratórias que trouxeram as línguas faladas atualmente na Europa. Ainda há idiomas “primos” do basco que sobrevivem em muitos lugares, como no Cáucaso, na China e até mesmo entre grupos de índios americanos. Em geral, as sociedades humanas tentam desenvolver meios para minimizar os conflitos, mas ainda temos muito a caminhar até chegarmos a um acordo que leve à paz e à justiça social que desejamos.

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