sexta-feira, 1 de maio de 2009

Kenzaburo Oe

- Em sua conferência quando ganhou o Prêmio Nobel, em 1994, o sr. usou a palavra guerra 20 vezes. Em uma delas, citou o escandinavo Kristoffer Nyrop, que falava que "os que não protestam contra a guerra são cúmplices da guerra". Como o sr. se posiciona em relação aos ataques no Iraque?Kenzaburo Oe - Eu concordo com Nyrop totalmente e hoje poderia adicionar que os que não protestam contra a guerra são também "co-vítimas" da guerra. Hoje, a globalização da superviolência dos Estados Unidos paira sobre todos nós.Quando pensamos sobre a situação da península coreana, por exemplo, nós devemos esperar que seremos os cúmplices e co-vítimas de uma nova guerra. - Ainda na conferência do Nobel o sr. usou a idéia da ambiguidade para expressar como via o Japão naquele momento. O país é ainda ambíguo hoje? Por quê?Oe - O Japão é mais ambíguo hoje. Os cidadãos japoneses são contrários à guerra do presidente Bush e os japoneses têm em sua Constituição um decreto que nos põe para sempre fora das guerras. Mas o primeiro-ministro Junichiro Koizumi apoiou essa invasão assim que foi possível. Logo ele que, no ano passado, em visita ao santuário de Yasukuni [onde são cultuados mortos em combates", declarou que guerras devem ser desprezadas. E os japoneses, com tudo isso, não deixarão de dar seu apoio permanente ao Partido Liberal Democrático [o do premiê".- Há algo dessa ambiguidade em sua literatura? Repito aqui uma pergunta que o sr. fez a si mesmo em artigo: "Que tipo de identidade devo buscar como japonês?".Oe - Eu continuo a procurar a identidade de um Japão periférico, não a de um Japão central. Tenho escrito sobre o japonês que encontra sua identidade na tradição periférica da cultura nipônica. - Qual a opinião do sr. sobre a literatura japonesa contemporânea? Como o sr. explicaria um fenômeno como Haruki Murakami?Oe - Murakami criou um estilo muito lúcido de escrita e trata da vida urbana dos jovens japoneses de hoje com grande destreza. Sua filosofia é muito bem aceita por jovens não apenas daqui.Eu não acredito que tenha muitos leitores, seja no Japão, seja no exterior, mas espero ter um pequeno número de leitores verdadeiros. É para eles que escrevo, para um leitorado pouco ligado a Murakami. Meu estilo não é para muitos leitores, mas eu elaborei esse estilo por 40 anos.- No final de "Uma Questão Pessoal", o
personagem Bird vai procurar a palavra "paciência" em um dicionário, em cuja capa estava escrito "esperança". Com qual desses termos o sr. se identifica mais?Oe - Eu prezo muito a paciência. Por meio dela, eu tenho vivido a vida de um escritor. Na avançada idade de minha existência, porém, eu frequentemente penso na esperança. E é por meio da paciência que procuro encontrá-la.- Quando o sr. fala sobre o seu filho, Hikari, cuja deficiência o motivou a escrever "Uma Questão...", e quando salienta o poder de cura que a música teve para ele, o sr. não raro fala da importância da literatura como forma de tomar conta de si mesmo. A boa literatura cura também os leitores?Oe - Acho que os aspectos mais importantes da literatura são justamente o de tomar conta de si e dos outros. Não sei se ela chega a ter poder de cura para os leitores. Mas a recuperação de cada um é objetivo central da literatura.- O sr. declarou há muitos anos que o fundamental de seu estilo "sai de questões pessoais e depois faz a ligação com a sociedade, o Estado e o mundo". Quão pessoal é a literatura do sr. hoje?Oe - Mais do que mundo, o objetivo final é o cosmos. Tento ligar minhas questões pessoais ao cosmos. O ponto de partida, porém, são sempre eu e minhas divagações particulares. Na minha opinião, a literatura deve ser muito pessoal, acima de tudo pessoal. - O Brasil tem uma comunidade japonesa muito forte. Comenta-se por aqui que São Paulo é a maior cidade japonesa fora do Japão. Até que ponto existe por aí a percepção de que a cultura japonesa é muito presente no Brasil?Oe - Fico muito contente em saber dessa presença de nossa cultura por aí. Não imagino que muitos japoneses saibam algo sobre isso. Espero que essas culturas possam no futuro ter um intercâmbio mais vívido.

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