sexta-feira, 1 de maio de 2009

Jean-Marie Gustave Le Clézio

- Você escreve romances de aventuras, à maneira de Conrad e Stevenson. Um tipo de livro que quase ninguém mais ousa escrever. Qual é a causa dessa obstinação?J.M.G. Le Clézio - Eu não fujo das minhas influências. Creio que há alguns romances que me influenciaram muito, eu diria até que me influenciaram de maneira definitiva. Os livros de Robert Louis Stevenson, por exemplo. Certamente, sou obrigado a pensar em A Ilha do Tesouro. Mas penso antes de tudo em Kidnapped, para mim o romance mais espetacular que Stevenson escreveu, o grande modelo para o romance de aventura. Kidnapped conta a história de um menino e seu choque contra um mundo violento. É a história de uma passagem entre o mundo infantil e o mundo adulto. Todo grande romance de aventuras é, no fundo, o relato de uma grande iniciação.- Houve, no caso de A Quarentena, alguma outra influência decisiva?Le Clézio - Sim e, por coincidência, se trata de um livro brasileiro. Refiro-me a Os Sertões, de Euclides da Cunha, livro que narra também uma experiência extrema, só que passada na vida real. Eu diria que, ao começar a escrever A Quarentena, quis fazer um livro que ficasse entre Kidnapped e Os Sertões, isto é, que ficasse entre uma aventura literária e uma reportagem. A Quarentena baseia-se numa história verdadeira que se passou em uma pequena ilha vizinha à Ilha Maurício. Ali, as circunstâncias levaram um grupo de pessoas a ficar totalmente isolado do mundo. E elas tiveram de dar o melhor de si para sobreviver.
- Ao dedicar-se a escrever romances de aventuras, você parece seguir uma tradição que é mais inglesa do que francesa. Os franceses não são chegados às aventuras?Le Clézio -É verdade, minha literatura segue uma tradição que é mais inglesa, e também espanhola, do que francesa. Hoje, o romance de aventuras não é muito visto na França. Os franceses parecem preferir, ainda, o romance psicológico. Eu creio, no entanto, que o romance psicológico é uma experiência que se esgotou no século 19. Depois de Proust, não é mais possível escrevê-los. Pode-se apenas repetir o que já foi escrito. - Isso seria, também, um sinal dos tempos?Le Clézio - Vivemos uma época em que os acontecimentos, os fatos sociais, a realização do indivíduo na sociedade se tornaram mais importantes do que as grandes introspecções. Daí meu interesse por romances que seguem essa evolução. Não apenas uma evolução no espaço, como no romance de aventuras clássico, mas também uma evolução do homem dentro de si mesmo, um esforço para adaptar-se a um mundo que muda com muita rapidez e para sobreviver. O romance psicológico é fundado na família, toda a aventura se restringe aos limites familiares. Já no romance de aventura, o grande salto é da família para fora. Nele, a grande aventura está sempre no mundo exterior. Creio que o romance, hoje, deve sair para o mundo. Mais do que nunca, deve ser um relato de iniciação em um mundo cada vez mais difícil de compreender e aceitar.
- Alguns personagens de A Quarentena parecem evocar o mito do "bom selvagem". Penso, em particular, em Amanta. Esse é um mito essencial para o romance de aventuras?Le Clézio - Não sei, sinceramente, se meus personagens mexem com esse mito. Na verdade, não sou um grande conhecedor da obra de Jean-Jacques Rousseau. Um personagem como Amanta, por exemplo, é alguém que tenta sobreviver em um mundo estranho e difícil. E luta para isso. Penso mais, talvez, em Suryavati, que se forma em um meio social absolutamente diferente do europeu. No fundo, o que me interessa é a mestiçagem e não o "bom selvagem". Interesso-me, sobretudo, pelo deslocamento, pela migração, que é hoje um tema europeu por excelência. E é importante para mim pessoalmente, já que descendo de uma família que veio da Ilha Maurício. Hoje, não se pode fugir da mestiçagem de raças e culturas. Ela se tornou um fato irreversível.
- Em um mundo unificado, sem fronteiras e devassado pela CNN, a aventura ainda é possível?Le Clézio - Não é preciso viajar pelo mundo para meter-se em aventuras. Qualquer adolescente sabe disso. A vida de um adolescente, hoje, é uma aventura constante: perigosa, violenta, incerta, mas também cheia de descobertas e de promessas. Nasci na França, cresci aqui e, em minha juventude, o contato com outras culturas era algo muito difícil. Podia ser feito, mas era sempre uma aventura colonial. Hoje não, hoje a aventura está bem ao nosso lado.- A Quarentena abre com belo, ainda que rápido, retrato de Rimbaud. Você já publicou também alguns livros de poemas. Em que medida o poeta Le Clézio influencia o trabalho do romancista?Le Clézio - Eu sonhei em ser poeta, mas não sou poeta. Apenas escrevi alguns versos. Não estou à altura de Rimbaud e da poesia. Rimbaud é o arcanjo da poesia, ele a encarnou visceralmente, levou-a a seus limites e depois se deixou queimar pela própria criação. Minha avó, um dia, relatou-me o breve encontro que meu avô teve com Rimbaud. Fiquei muito emocionado com o que ouvi e sempre desejei transportar esse relato para um livro. É o que fiz agora.- Só agora, mais de 30 anos depois da publicação de seu primeiro romance, sua obra merece uma edição correta no mercado brasileiro. Também não está muito disseminada pelo mercado latino-americano. No entanto, seus livros freqüentam sempre as listas de mais vendidos européias e norte-americanas. Que explicação você tem para isso?Le Clézio - Creio que é, antes de tudo, um problema de difusão. O mesmo se dá, por exemplo, no México, onde meus livros estão editados, e bem editados, mas não chegam às livrarias. Em toda a América Latina, parece-me, as editoras modernizaram-se, mas os problemas de distribuição não foram superados. Mas há, talvez, uma causa mais geral que devo citar. A literatura francesa ainda não perdeu a reputação de ser uma literatura difícil. Isso era verdade há 20 anos, quando ela estava dominada pelo novo romance e pelas experiências de vanguarda. Mas hoje não é mais. No entanto, as reputações costumam sobreviver aos fatos. Ela continua a ser vista como uma literatura para iniciados e isso afasta os leitores.- Você conhece a literatura brasileira?Le Clézio - Infelizmente, não sei ler o português. E, como não gosto de ler traduções, quase nunca leio os escritores brasileiros. Mas conheço muito a literatura hispano-americana, pois domino bastante bem o espanhol. Sou particularmente entusiasmado pela obra de Juan Rulfo. Ele é um dos mais importantes escritores da língua espanhola."

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