quinta-feira, 28 de maio de 2009

harald welzer

Em 2005, o furacão Katrina devastou Nova Orleans. No ano anterior, um sismo no Oceano Índico e um tsunami gigantesco vitimaram mais de 20 mil pessoas. As imagens da destruição e da miséria humana ficaram gravadas para sempre na memória midiática. Em 2007, a expressão do ano escolhida pela Sociedade para a Língua Alemã foi “catástrofe climática”. Em Guerras do clima, Harald Welzer analisa as relações entre clima e violência. Em vez de “catástrofes climáticas“, usa propositalmente a expressão “catástrofes sociais”, pois os fenômenos naturais somente se tornam catástrofes por causa das conseqüências que geram para os seres humanos, os quais reagem às transformações do meio ambiente a fim de assegurar a sua sobrevivência. Nesse cenário, o crescente emprego da violência é um dos caminhos a seguir, sustenta o autor, para quem, a guerra em Darfur provocada pela batalha por recursos escassos já seria uma dessas “guerras do clima“. De maneira incisiva e impressionante, Welzer descreve as conseqüências sociais das mudanças climáticas, cujos efeitos aprofundam as desigualdades sociais no planeta. A mudança climática já é um fato indiscutível, bem como a relação entre o efeito estufa, o aquecimento da Terra e as emissões industriais. No início da Revolução Industrial, havia 600 bilhões de toneladas de dióxido de carbono na atmosfera. Ao longo dos últimos 200 anos, essa quantidade subiu para 800 bilhões de toneladas, devendo subir ainda mais, considerando o processo de industrialização dos países emergentes. A temperatura média do planeta não pode subir mais do que dois graus em relação à época pré-industrial para que o aquecimento da Terra fique sob controle. Para isso, seria necessário um corte de pelo menos a metade nas emissões globais de CO2 nos próximos 50 anos. O autor considera este objetivo totalmente irreal e até mesmo inatingível. Diante deste pano de fundo, ele analisa os efeitos da mudança climática na existência humana, que diferem de região para região. A África será um dos continentes mais atingidos. O precário abastecimento de água potável vai piorar. Setores inteiros como agricultura e pesca se vêem ameaçados pela falta d’água, pela degradação dos solos e pela extinção das espécies. As epidemias se disseminarão muito mais velozmente com a água mais quente. A América do Sul sofrerá com a redução do nível dos lençóis freáticos e a desertificação. O desmatamento das florestas tropicais aprofundará a erosão dos solos e aumentará o perigo de inundações. Já no Norte, ao contrário, surgirão novos ramos agrícolas, como o cultivo de vinhedos. Uma das injustiças das mudanças climáticas é que ele atingirá mais duramente os países menos responsáveis pelo fenômeno. Além disso, não dispõem de meios para neutralizar os efeitos da catástrofe social. Enquanto países na América do Norte e na Europa têm condições de garantir a alimentação das suas populações e de compensar danos materiais, as nações mais fracas ficam à mercê das mudanças. Diversos grupos competem pelos recursos minguantes, e em muitos lugares a violência não é aplicada só pelo Estado, mas também por grupos paraestatais ou paramilitares: “A deterioração do estado e da sociedade abre espaços para a concretização brutal de interesses e por um espectro não-transparente de criminosos e de formas de violência”. Guerras eternas são desencadeadas, sendo que, muitas vezes, os atores não têm interesse em terminá-las, pois a violência contra a população muitas vezes assegura o envio de ajuda material do Ocidente. Já para os países da OCDE, a chamada “ajuda humanitária” em regiões conflagradas pode significar um alívio para a consciência social. Desde que o furacão Katrina devastou Nova Orleans existe o termo “refugiado ambiental”. Welzer relaciona essa expressão com os crescentes contingentes de migrantes dos países mais atingidos. Os países-membros da OCDE fecham suas fronteiras para “manter distantes” os efeitos das mudanças climáticas. Frontex, a poderosa – e bastante autônoma – organização de fronteiras da União Européia , empurra as fronteiras nacionais até os países de origem dos refugiados através do uso de campos de refugiados. Cada vez mais, os governos contratam empresas de segurança privadas para executar ações violentas que eles não têm como assumir. Indiretamente, portanto, o Ocidente também se vê pressionado a agir por causa das mudanças climáticas e a tomar medidas por causa de “ameaças percebidas”. Mas essas medidas se baseiam em primeira linha em riscos percebidos e não em perigos objetivos. Com isso, também muda a percepção daquilo que pode ser “relativo”. Assim, Harald Welzer explica detalhadamente o fenômeno dos padrões mutantes (“shifting baselines”). Aponta como exemplo as leis em vigor desde os atentados do 11 de setembro concebidas para melhorar a situação de segurança nos países ocidentais, mas que acabam restringindo os direitos humanos dos cidadãos. Há poucos anos era impensável cogitar mandar vigiar indivíduos suspeitos ou colher impressões digitais para documentos de identidade. Desde os ataques terroristas em Nova York, que fez aflorar o sentimento crescente de insegurança, essas medidas são desejadas por amplos setores da população. Esses padrões mutantes, segundo Welzer, acabam por justificar homicídios como algo normal e sensato. Como evidência, cita o assassinato de milhões de judeus durante a Shoah. Na vigência da ideologia nacional-socialista, a violência contra os judeus foi algo “normal”, com um objetivo lógico, a solução final. Dessa forma, o homicídio se torna parte de uma lógica funcional da modernidade esclarecida. Conseqüentemente, Welzer não compreende os genocídios como meros “acidentes de percurso” das formas ditas avançadas de sociedade, e sim como sua conseqüência. As esperadas “guerras do clima”, para o autor, estão intimamente ligadas ao modelo de sociedade propagado pelo Ocidente e aquela „forma globalizada de economia baseada em crescimento e na exploração de recursos naturais e que não pode funcionar em escala global“. As soluções propostas pelo autor vão nessa direção. Ele considera insuficientes medidas concretas nos planos individual e nacional, bem como acordos entre os países. Por isso, ele propõe dar mais oportunidades de participação aos cidadãos. Assim, cada um terá que refletir como quer viver no futuro e como a humanidade deve evoluir no longo prazo. Assim se lograria fazer com que o indivíduo assumisse mais responsabilidades por um problema cuja causa está no passado e cuja solução, no futuro. Naturalmente, isso não é remédio suficiente contra a „cegueira“ diante de um futuro catastrófico imprevisível . Não existe a solução definitiva. Mas sem dúvida Welzer consegue explicitar o problema em sua enorme dimensão. Guerras do clima é uma importante contribuição para o debate sobre o tema das mudanças climáticas. Certamente, os fatos em que se baseia a sua argumentação não são exatamente novos. Mas o que é relevante e impressionante é a sua relação com o quadro geral que esclarece a relevância social das mudanças climáticas. Ainda que se trate de um cenário assustador, as explanações de Welzer são plausíveis, graças, principalmente, aos exemplos numerosos. Guerras do clima, de Harald Welzer, é um livro de ficção inteligente e fascinante e que abre os olhos. Um empreendimento ambicioso!

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