sábado, 2 de maio de 2009

Dominique Moïsi

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Acha que os Estados Unidos estão em declínio e que a sua hegemonia vai, em breve, ser partilhada com outros actores? Dominique Moïsi: Acho que podemos falar, incontestavelmente, de um relativo declínio dos Estados Unidos, ou seja, a América já não é o que era, mas continua sozinha na sua categoria de potência. Simplesmente, tem de aceitar que o mundo está em vias de se tornar multipolar, que tem a seu lado potências emergentes.E: No seu último livro, “A Geopolítica da emoção”, fala de três estados de alma, que hoje em em dia são capazes de condicionar as relações internacionais: o medo, a humilhação e a esperança. Na sua opinião, Barack Obama será capaz de reequilibrar esses três estados de alma?DM: Mas essa é a questão, de facto. Para mim, o problema, hoje em dia, é saber se a cultura da esperança vai voltar ao Ocidente com Obama, ou se a cultura do medo se vai estender à Ásia, com a crise financeira e económica, que atinge, hoje em dia, gigantes como a China e a Índia.E: Fazer investimentos, talvez em infra-estruturas ecológicas, ou baixar os impostos à classe média… É isso que esperamos dele? Estas medidas podem ser um bom começo? DM: Mas essas medidas são incontornáveis, mesmo se são contraditórias, porque o problema dos Estados Unidos é a sua dívida enorme. Ora, as medidas que o presidente deve tomar para relançar a máquina e restabelecer a confiança vão aumentar essa dívida, mas eu penso que os americanos esperam dele o regresso da confiança no plano económico. Mas o mundo também espera muito da América e a tarefa de Barack Obama é dupla: ele deve reconciliar os americanos com eles mesmos e a América com o mundo.E: O problema está verdadeiramente ligado à personalidade de um presidente? Não é algo mais profundo, se o século XX foi o século da América e da ideologia, e agora, como o senhor diz, este é o século da identidade? DM: Sim, creio que o grande desafio para nós é não sobrestimar o que pode fazer um novo presidente, mas creio que o outro desafio é não subestimar a capacidade de mobilização, não só de um homem, mas de um país. Creio que a América tem uma capacidade de recuperar, que é, sem dúvida, muito superior à da Europa. Há o encontro entre um homem e um país, de um homem e de uma cultura e, no fundo, não foi um acidente Obama ter chegado ao poder nos Estados Unidos, e não na França ou na Alemanha. Ele encarna o sonho americano, mas a América estava preparada para isso.E: É muito difícil imaginar um Obama na Europa. Não pensa que, apesar de todas as esperanças que Obama gerou na Europa, as relações transatlânticas podem tornar-se mais difíceis justamente por causa da escolha do americanos? DM: No fundo, no plano das políticas que têm sido tomadas, há uma aproximação incontestável entre os Estados Unidos e a União Europeia, que já aconteceu um pouco no segundo mandato de Bush, mas ao nível das emoções, a América escolhe a esperança num momento em que a Europa tende a fechar-se no medo. Será que não vai haver uma espécie de divórcio crescente entre os Estados Unidos e a Europa? Isso supõe evidentemente que as políticas de Obama resultem e que ele consiga pôr a máquina americana novamente a funcionar.
E: Mas justamente, a promoção da democracia por parte da Adiministração Bush não foi uma forma de abordagem política? DM: Creio que isso foi uma abordagem ideológica. Um deputado europeu muito conhecido, Daniel Cohn-Bendit, referiu-se aos neo-conservadores americanos como bolcheviques da democracia.E: Portanto, um pouco mais de realismo… DM: Um pouco mais de realismo e muito mais modéstia… e sobretudo não se enganar na definição de inimigo.E: Será que esse realismo pode levar os Estados Unidos de Barack Obama a abrir, não direi abrir negociações, mas a falar com o Irão? DM: Incontestavelmente.E: E com o Hamas? DM: Com o Hamas é difícil hoje em dia. É preciso que o Hamas mude claramente de discurso, mas com o Irão parece-me incontornável e, de facto, sentimos que isso está em marcha.E: Barack Obama representa incontestavelmente o novo. Não pensa que ele poderia estabelecer relações mais profundas com essa parte do mundo, de onde vem o novo, ou seja, com a Ásia? DM: Penso que nas prioridades americanas estão incontestavelmente a Ásia, a África, que é o continente de onde é originário o pai dele. Um continente que foi durante muito tempo negligenciado… E interessar-se pela África, restaurar a esperança em África implica ir além deste continente. E por razões evidentes, o Médio Oriente, com a questão central: será que ele se vai ocupar primeiro do conflito israelo-palestiniano ou será que ele vai procurar encerrar o capítulo das duas guerras em que a América se encontra implicada: Iraque e Afeganistão. Tudo isto nos leva a uma conclusão, para nós, europeus, um pouco dolorosa: ele não se interessa pela Europa, ele interessa-se pelos europeus e pelas contribuições que os europeus podem dar para o papel mundial dos Estados Unidos. Mas a menos que a Rússia retorne ao totalitarismo mais duro e mais agressivo, os europeus devem esperar uma certa indiferença, uma certa distância da América.E: Posssivelmente uma desaceleração no alargamento da NATO, por exemplo? DM: Creio que a NATO se alargou imenso ao longo dos últimos anos. O alargamento à Ucrânia e à Geórgia não me parece que deva ser uma prioridade da nova administração americana.

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