Na Universidade aprendemos a beleza dos conceitos e aplicações formidáveis da ciência, mas o processo de aprendizagem parece ser diferente do da investigação. Um filósofo dizia que “antes da descoberta das coisas, existe a revelação da própria questão”... Isso é provavelmente verdade. Com muita frequência, quando trabalhamos, não colocamos a boa questão e só depois de termos lutado com o problema durante algum tempo é que nos apercebemos que em vez dessa questão, deveríamos ter colocado uma questão mais simples, e depois uma questão ainda mais simples e finalmente chegamos à boa questão. A ideia de que a investigação consiste em colocar a boa pergunta é importante. Este é o meu ponto de vista pessoal, mas há ainda uma observação: vemos à nossa volta pessoas muito capazes, que se debruçam sobre problemas banais. E que por vezes desperdiçam as suas vidas com um problema sem interesse. A questão de decidir se uma pergunta é verdadeiramente boa passa também por saber se o assunto está maduro, se temos possibilidades de chegar a bom termo uma vez que 10 anos antes isso teria sido impossível e 10 anos depois o problema já se terá tornado trivial. É como observar um fruto e ver se ele está bom. A escolha do problema contém numa certa medida a noção da qualidade do fruto. Vi amigos meus passar anos, partes importantes das suas vidas, a tentar encontrar as soluções exactas do modelo de Ising a três dimensões, ou o modelo completo da turbulência, coisas deste tipo, e esses problemas não estavam amadurecidos. São exemplos de problemas mal escolhidos.À medida que a ciência se torna cada vez mais especializada fala-se de trabalho interdisciplinar. Sabemos que é um defensor dessa investigação. Porque é que pensa que ela é tão importante? E como pode ser feita?A noção de que hoje em dia um engenheiro químico deve saber um pouco de biologia, porque a certa altura o seu trabalho vai depender de conhecimentos específicos neste domínio e ele não poderá evoluir sem isso, parece-me óbvia. Agora, as dificuldades são muito claras. Se tivermos a tentação de ter uma espécie de educação global, que cobre tudo, então acabaremos por não saber nada bem e isso é muito perigoso. Por exemplo, eu diria que no passado uma grande parte da química-física era feita assim – por químicos que não eram suficientemente bons para fazer química, acabando por se mudar para a química-física, ou por físicos que não sendo suficientemente bons para fazer física, se mudaram para a fronteira. Este tipo de perigos existe e para os evitar tem que se ser muito inflexível. Por exemplo, quando eu estava na Escola Superior de Física e Química Industrial, em Paris, éramos muito inflexíveis em relação ao facto dos químicos saberem o suficiente de física e os físicos o suficiente de química. Tem que se ser muito exigente para evitar que tudo se transforme num folclore. Não quero dizer nomes, mas penso no caso particular de alguém de economia, que veio da física estatística, e que escreveu recentemente um livro sobre as crises dos mercados financeiros que é apenas bla, bla, bla. Ele menciona coisas que conhece das transições de fase e diz que essas coisas se transpõem para a economia, mas sem o justificar com argumentos rigorosos. Existe então um perigo. Interdisciplinaridade? Sim, precisamos dela claramente, mas temos que ter muito cuidado…É sabido que é um proponente da proximidade entre investigação e indústria. Quem, na sua opinião, beneficia mais nesta relação? E qual o limite máximo para o nível de financiamento de fundos privados em centros de investigação?quinta-feira, 30 de abril de 2009
Pierre Gilles de Gennes
Na Universidade aprendemos a beleza dos conceitos e aplicações formidáveis da ciência, mas o processo de aprendizagem parece ser diferente do da investigação. Um filósofo dizia que “antes da descoberta das coisas, existe a revelação da própria questão”... Isso é provavelmente verdade. Com muita frequência, quando trabalhamos, não colocamos a boa questão e só depois de termos lutado com o problema durante algum tempo é que nos apercebemos que em vez dessa questão, deveríamos ter colocado uma questão mais simples, e depois uma questão ainda mais simples e finalmente chegamos à boa questão. A ideia de que a investigação consiste em colocar a boa pergunta é importante. Este é o meu ponto de vista pessoal, mas há ainda uma observação: vemos à nossa volta pessoas muito capazes, que se debruçam sobre problemas banais. E que por vezes desperdiçam as suas vidas com um problema sem interesse. A questão de decidir se uma pergunta é verdadeiramente boa passa também por saber se o assunto está maduro, se temos possibilidades de chegar a bom termo uma vez que 10 anos antes isso teria sido impossível e 10 anos depois o problema já se terá tornado trivial. É como observar um fruto e ver se ele está bom. A escolha do problema contém numa certa medida a noção da qualidade do fruto. Vi amigos meus passar anos, partes importantes das suas vidas, a tentar encontrar as soluções exactas do modelo de Ising a três dimensões, ou o modelo completo da turbulência, coisas deste tipo, e esses problemas não estavam amadurecidos. São exemplos de problemas mal escolhidos.À medida que a ciência se torna cada vez mais especializada fala-se de trabalho interdisciplinar. Sabemos que é um defensor dessa investigação. Porque é que pensa que ela é tão importante? E como pode ser feita?A noção de que hoje em dia um engenheiro químico deve saber um pouco de biologia, porque a certa altura o seu trabalho vai depender de conhecimentos específicos neste domínio e ele não poderá evoluir sem isso, parece-me óbvia. Agora, as dificuldades são muito claras. Se tivermos a tentação de ter uma espécie de educação global, que cobre tudo, então acabaremos por não saber nada bem e isso é muito perigoso. Por exemplo, eu diria que no passado uma grande parte da química-física era feita assim – por químicos que não eram suficientemente bons para fazer química, acabando por se mudar para a química-física, ou por físicos que não sendo suficientemente bons para fazer física, se mudaram para a fronteira. Este tipo de perigos existe e para os evitar tem que se ser muito inflexível. Por exemplo, quando eu estava na Escola Superior de Física e Química Industrial, em Paris, éramos muito inflexíveis em relação ao facto dos químicos saberem o suficiente de física e os físicos o suficiente de química. Tem que se ser muito exigente para evitar que tudo se transforme num folclore. Não quero dizer nomes, mas penso no caso particular de alguém de economia, que veio da física estatística, e que escreveu recentemente um livro sobre as crises dos mercados financeiros que é apenas bla, bla, bla. Ele menciona coisas que conhece das transições de fase e diz que essas coisas se transpõem para a economia, mas sem o justificar com argumentos rigorosos. Existe então um perigo. Interdisciplinaridade? Sim, precisamos dela claramente, mas temos que ter muito cuidado…É sabido que é um proponente da proximidade entre investigação e indústria. Quem, na sua opinião, beneficia mais nesta relação? E qual o limite máximo para o nível de financiamento de fundos privados em centros de investigação?
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