terça-feira, 28 de abril de 2009

Joël de Rosnay

Existe um atraso na França em matéria de tecnologias da informação? Joël de Rosnay : A França não está realmente em atraso, ela está tomando impulso. Culturalmente, os franceses têm necessidade de ganhar altitude antes de se apropriar das novas tecnologias. Mas é verdade que acumulamos atrasos tecnológicos, industriais e institucionais que podem ser explicados por uma convergência de dados tipicamente franceses: a estrutura muito piramidal de nossos órgãos públicos, os hábitos de gestão jacobina1, e até essa nossa inovação invejada durante muito tempo que é o Minitel. Tudo isso entra em oposição a uma rede transversal, descentralizada, sem localização determinada, que coloca em questão os poderes estabelecidos. A isso vem se acrescentar uma desconfiança visceral em relação a tudo o que vem dos Estados Unidos. Mas nós estamos recuperando esse atraso rapidamente e eu estou convencido de que chegaremos a 10 milhões de internautas na França dentro de um ano.A que se deve o sucesso das novas tecnologias como a Internet?A Internet não é uma nova tecnologia que vem simplesmente acrescentar-se às outras. É um sistema de comunicação que permite a computadores muito diferentes compartilhar recursos em escala internacional. É uma rede de redes que tem possibilidades ilimitadas: utilizando a rede telefônica internacional, um computador e um modem2, milhões de internautas discutem, participam de fóruns profissionais, trocam idéias, fazem política, têm acesso a bibliotecas e a bancos de dados, carregam programas, participam de jogos ou programas educativos. É a sinergia entre a escrita, a imagem fixa, o vídeo e a comunicação por telefone que faz da rede web um novo espaço de desenvolvimento e interação, e mesmo um novo paradigma3.Mas o forte da Internet não é apenas a interatividade, é também a inter-criatividade. Todo mundo pode ser ao mesmo tempo receptor e criador de informações e não mais apenas consumidor passivo. Hoje, as empresas de televisão, de rádio, os editores e produtores de filmes, constituem monopólios obrigatórios para todo criador que deseje tornar conhecidas suas obras. Tudo muda com a extensão e o desenvolvimento das redes multimídia de comunicação interpessoal: todo mundo pode se tornar produtor, criador, compositor, montador, apresentador, divulgador e vendedor de seus próprios produtos.Quando as grandes redes como a Internet fizerem a transmissão generalizada das imagens animadas e do som, os mercados de tele-atividades remuneradoras explodirão. Já existem canais de televisão na Internet, como a MeTV.com que transmitem seqüências filmadas por particulares com suas próprias câmeras. Essas produções vão se profissionalizar progressivamente e estar diretamente disponíveis nas redes.De uma sociedade de distribuição piramidal, passamos a uma sociedade em rede de criação e integração em tempo real. Resultado previsível: os monopólios vão ser progressivamente contornados, trocados por relações transversais entre produtores, vendedores e compradores. Ao liberar a criação individual e coletiva do contexto limitado no qual ela se encontrava aprisionada, as redes interativas dão aos indivíduos um poder democrático capaz de colocar em questão o poder dos regimes centralizados. Esses ciber-cidadãos, informados, responsáveis e construtivos, estão traçando seu próprio caminho para o futuro.Estamos caminhando realmente para uma nova democracia?A sua construção é lenta, difícil de se implantar, mas alguns sinais demonstram que estamos indo progressivamente nessa direção.
A meu ver, a solução não está no voto eletrônico permanente, que nos é anunciado como tecnicamente possível. Eu acho que isso criaria uma espécie de curto-circuito "societal" entre os cidadãos e as elites dirigentes. Por outro lado, sou favorável ao uso das redes para uma co-regulação cidadã: integrando ao mesmo tempo os sistemas técnicos e a representatividade humana, essa nova forma de participação cidadã respeitaria os níveis intermediários indispensáveis que são os eleitos locais.Dessa forma, já estamos assistindo ao que se poderia chamar de um embrião de "ciber-democracia": internautas reagrupados em fóruns, expressando-se diretamente junto a seus colegas por e-mail, ou criando seu próprio site, exercendo um novo poder, que até o momento estava oculto e não possuía uma verdadeira relação de força diante dos Estados, das grandes indústrias e até dos lobbies internacionais. Pela primeira vez surge a possibilidade de expressão por pequenos grupos, e não apenas pelo voto democrático maciço. Essa nova participação cidadã insere-se como complemento, e não em substituição, aos outros meios de expressão, dos quais será necessário reinventar a influência e o papel, especialmente com relação ao que se pode chamar de "C to G" (cidadão para governo) que é mais ou menos o "feed-back" social ao qual todos nós aspiramos.Todos os cidadãos têm as mesmas chances de se integrar a essas novas iniciativas?Temos que acreditar nisso, embora não se possa negar que está se abrindo um fosso entre os países, e também entre as gerações. É verdade que existe um risco de isolamento, de segregação social e exclusão. Por essa razão, é importante remediar isso desde já. A Internet por um lado atinge todas as camadas da população: famílias, estudantes, professores, mundo do trabalho, empresas, etc. Os preços dos computadores estão diminuindo, as conexões vão se tornar gratuitas, e os programas também terão seus preços reduzidos. A Internet vai se democratizar nos próximos dez anos inclusive, como já se vê, nos países emergentes.Por outro lado, quanto mais o mundo se desmaterializar através da eletrônica, mais precisaremos compensar essa virtualidade pela realidade do contato humano. Quando o livro surgiu, os clérigos disseram que isso era a pior coisa que podia acontecer, porque ele reduziria os contatos humanos. Com a Internet e as telas em geral, encontramos os mesmos receios. Mas sou levado a crer que a Internet seguirá o mesmo caminho do livro, do telefone, da televisão e do automóvel: inicialmente reservadas aos mais ricos, essas técnicas difundiram-se largamente, no interesse de todos e como fator de comunicação entre as pessoas.Como fazer para não se afogar nessa extraordinária massa de possibilidades de comunicação?De fato, "surfar" na Internet certamente pode levar a um borboletear estéril, análogo ao "zapping" na televisão, se essa atividade não for contextualizada ou enquadrada. Daí a importância de incorporar dados às informações, informações ao saber, saber aos conhecimentos e conhecimentos às culturas. Mas esse processo implica numa mediação, e é aí que os professores de escola têm um papel fundamental a desempenhar: o professor como mediador e integrador dos conhecimentos, como "passadores" para a iniciação no saber nas mais complexas redes; e a escola (as turmas conectadas não à, mas pela Internet), como local de socialização, de co-educação e de integração das culturas. Assim como já existe o "e-comércio", haverá a "e-educação". Nesse campo, tudo ainda está por inventar.Que grandes tendências delineiam-se na alvorada do século XXI em matéria de ciência da informação?Por mais realista que seja prever o futuro de um mundo envolvido numa extraordinária transformação, acredito que a primeira mudança ocorrerá no aumento da capacidade de receber imagens e sons de boa qualidade. Depois virão os programas especializados que nos ajudarão a navegar nesse oceano de informações que serão os 10 bilhões de páginas web de 2003.A Internet móvel, ou seja que possa ser consultada a partir de telefones celulares ou de assistentes pessoais digitais, já é possível... Eu acho que em cinco anos veremos chegar assistentes pessoais digitais dotados de capacidades de telefonia de alta capacidade e telas coloridas de tamanho aceitável, enquanto não chegam os óculos conectáveis aos assistentes pessoais digitais, e que projetarão diante de nossos olhos uma tela virtual de 50x50 cm!O meio de comunicação do futuro, paradoxalmente, a meu ver não será a Internet, mas a televisão digital com capacidade de navegação oferecida pela Internet. É da fusão desses dois que irá nascer, nos próximos cinco anos, a capacidade de transmissão de imagens e sons para uma comunicação direta. Podemos imaginar uma "videofonia" de boa qualidade, bilateral ou em grupo, e sobretudo a criação de programas de televisão pelos próprios usuários, difundidos nos mesmos canais da Internet... O fenômeno atual das páginas pessoais irá se transformar, estou convencido disso, em fenômeno de cadeias pessoais de televisão, para o melhor e para o pior. Mas eu acho que o verdadeiro desafio do futuro é a simbiose entre os instrumentos eletrônicos, o corpo e o espírito humano. Desde o final dos anos 90, os “biocaptores” (“biochips” implantados próximo a determinados órgãos cuja função eles regulam) fizeram progressos consideráveis. Seguindo esse impulso, amanhã o corpo humano será utilizado como uma rede de recepção e transmissão de informação. Logo estaremos usando computadores “prontos para uso”, integrados às roupas, mas também “ajustáveis” às maçanetas das portas, aos chaveiros, que se comunicarão através de uma rede sem fio.Nem super-homem, nem bio-robô, nem super-computador, ou mega-máquina, o homem do futuro será simplesmente o homem simbiótico, em parceria estreita – se conseguir construí-lo – com o sistema "societal" exteriorizado a partir de seu cérebro, de seus sentidos e de seus músculos. Porém, mais do que imaginar o futuro, o melhor a fazer é inventá-lo.

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