quarta-feira, 29 de abril de 2009

Hans-Georg Gadamer

O senhor acredita, Sr. Gadamer, que a lírica possa ser traduzida?Não acredito que a lírica possa ser realmente traduzível. Acredito apenas, que deva haver uma relação muito próxima com o som do original. E disso, só poucas pessoas são capazes. É um tipo de música. E quem não a escuta, também não pode traduzi-la.E o que perde a lírica quando ela é traduzida?Estorva o poema. Não se torna um poema.Quando se traduz a lírica, não há mais um poema, em sua opinião?Não. Minha opinião é que a lírica não deve ser impressa se não for acompanhada do original. Apenas isso. É essa abordagem que defendo.A lírica de Celan só pode ser compreendida em seu contexto cultural e histórico ou há algo universal na lírica de Celan?Não ele era um ... muito mais ... intelectual. No Oriente, na Áustria, na Alemanha e também na França, na Romênia... não não. Não é a língua, em que lhe ... por isso que nós... ele as conhecia bem, sabia bem. Ele conhecia todas as línguas modernas...Sim, mas nós que vivemos no Brasil, por exemplo, podemos compreender a lírica de Celan, em sua opinião?Oh sim, se junto estiver o original em alemão...[ interrupção devido a uma ligação telefônica]Então o senhor acredita que nós podemos entender a lírica de Celan no Brasil, embora estejamos em outro contexto? É isso?Porque a senhora sabe alemão. É claro. Apenas por isso. Melhor do que qualquer tradução: esta a senhora poderá utilizar – todavia, para ouvir o alemão. A senhora não a deve ler como a senhora a traduz. Não deve apenas repetir a música em sua língua materna e vice-versa. A senhora tem de encontrar também a nova línguagem.
E a música na língua brasileira, na língua portuguesa não pode ser retomada, não pode ser reproduzida, em sua opinião?... claro que não... simplesmente o conteúdo deve ser trabalhado.Sim, ou um outro tipo de influência, que não sabemos ainda. Relativo é que no Brasil há uma forte base alemã. Isto é, não é em todos os países sulamericanos que se fala alemão, e por isso há talvez (sob condições) em outros países o francês, o italiano o espanhol ou qualquer outro idioma. É assim, depende totalmente disso. Mas o importante mesmo é saber: no original há uma melodia própria, e ela não pode ser traduzida.A lírica produz algum efeito, e qual o efeito da lírica de Celan?Bem, o efeito foi enorme, e ainda o é em todo o mundo. E é isso o curioso, que envolve a coisa. É assim ... totalmente desmerecidamente e com minha própria filosofia também. Há em todo lugar. Como isso de repente acontece: publicamente. E também aqui, eu digo novamente: sim. Mas vocês só aproveitarão algo disto se vocês realmente tiverem a língua estrangeira no ouvido, ouvirem-na. Ela pertence ao conteúdo.A lírica de Celan produziu algum efeito em sua vida?Não. Nesse sentido, não. Eu já era idoso. Eu pude, eu o apreciei e teria feito ainda mais e com prazer, mas eu não pude mais. Eu não tenho evidentemente, e também me faltava, uma base judaica. A família foi educada de forma judaica.Como o senhor descreveria a relação de Celan com o „tu“ em sua poética?Que ele geralmente se refere a si próprio. Ele fala consigo mesmo. Assim são seus poemas.Como o senhor definiria a pessoa de Celan?Uma pergunta ampla essa. Um homem muito talentoso, [quatro línguas/ nós falamos], ..., mas também naturalmente, como tantas vezes, não é a cultura judaica que permanece o mais importante, mas a alemã, na época a austríaca. Para ele a língua mais importante não foi o ídiche, mas o alemão austríaco, que ele também rapidamente enriqueceu muito (nesta cultura), ele falava um alemão excelente. Eu nem teria escutado o austríaco.Mas ele falava com sotaque austríaco?Não.
O que podemos chegar a saber de Celan a partir de seus poemas?Que a gente também – essa é uma pergunta complicada, uma pergunta difícil. Não é mesmo? Ele tinha o sentimento de culpa por não ter salvado seus pais. Isso lhe facilitou bastante a passagem para o francês e para o alemão, tornou-se seu dever: ele era na verdade um alemão, e as pessoas que não percebem isso deveriam deixar de se ocupar com ele. Quando não se percebe, [que o leitor/ que aqui apenas se] tem de entender o alemão, não se deve [ em qualquer outra língua / nem em qualquer outra pergunta]. E ele é traduzido para todas as línguas. Mas esse não é o caminho para compreendê-lo. É necessário conhecer a língua alemã.É clara a inscrição da experiência do holocausto na poética de Celan?É verdade, mas no geral dá-se a isso demasiado valor. Provavelmente nem sempre encontre-se algo a respeito. Ele deve referir-se com freqüência ao alemão em sentido lato - e não [ simplesmente / apenas ] à Alemanha nazista. Um alemão nazista, isso com certeza ele não era.Como era, de seu ponto de vista, a relação entre Celan e Heidegger?Havia de ambos os lados um grande respeito. Heidegger o admirava como poeta, e o poeta o admirava enquanto como pensador.Levando em consideração a sua longa vida: o mundo hoje está melhor do que há cem anos?E isso me é perguntado depois do 11 de setembro? Então a pergunta é muito fria. Eu não sei, e com isto quero dizer: O que significa aqui "melhor"? É claro que eu diria, a possibilidade, nós não antevíamos as guerras e nem a destruição com armas. Em ambas as coisas não se pensava há 200 anos. Neste ponto a pergunta pode ser bem respondida quando se diz: depende, pois nós nos encontramos desde o dia 11 de setembro sob perspectivas especialmente difíceis. O mundo está em perigo. Está nas mãos de pessoas que [em sua honra de criminosos a/ seus criminosos e seus] se utilizarão, sem escrúpulos, de armas destruidoras.
Qual o significado que a Hermenêutica tem hoje em dia?Eu espero que ela signifique um caminho para o pensar. Deve-se pensar por si mesmo. Não se aprende nada que não tenha sido pensado por si mesmo. Nisso ajuda. Para isso serve a hermenêutica, uma vez que ela deixa muita coisa em aberto. É essa a natureza da hermenêutica, pois ela não diz exatamente o que se quer dizer. Ela é assim como toda pergunta: cada pergunta é um fenômeno hermenêutico. Pois a resposta não é definitiva.O que o senhor pensa da discussão sobre o pós-moderno? Há, na verdade, um pós-modernismo?É uma invenção parisiense.E por quê?Porque é um estilo parisiense.Os poemas de Celan podem revelar o Sein e o Dasein no sentido heideggeriano?Isso é exigir um pouco demais. Eu preferiria perguntar: Pôde Heidegger, compreendendo os poemas de Celan, descobrir uma concordância ou uma vizinhança a seu próprio pensar? Isto Sim.O que deveria constar no prefácio de uma tradução brasileira do livro Quem sou eu e quem és tu?O prefácio, com certeza, não cumpre essa tarefa. Deve-se amar o conteúdo. Mas deve-se precisamente aprender do – eu tenho que repetir isso – aprender do alemão. E quando se sabe tão bem alemão, como é o caso em seu país, esse é o único caminho certo. Não se deve admitir nenhum outro, senão pode-se fazer evidentemente apenas traduções de todas as línguas estrangeiras. De qualquer extensão. Mas aqui, no caso [dos poemas] de Celan, eu diria: tem de estar em alemão.O senhor teria vontade de escrever um prefácio?Não, isso nos deixa, de preferência ... [suas experiências / eu prefiro dizer:] escreva a senhora mesmo de preferência. É muito importante, a senhora pode referir-se aí de bom grado [essa é sua tarefa/ ...para essa tarefa,] ao significado da língua alemã. Ah não, sinta-se bem livre. Mas insista que só se pode compreender traduções quando se lê a língua suprema do poeta, e ele era um poeta alemão. Ele escreveu, em Paris, poesia alemã.Muito obrigada, sr. Gadamer.

Nenhum comentário:

Postar um comentário