quarta-feira, 29 de abril de 2009

Gilles Deleuze

Arnaud Villani – Você é um “monstro”? Gilles Deleuze – “Monstro” é, para começar, um ser composto. E é verdade que escrevi sobre assuntos aparentemente variados. “Monstro” tem um segundo sentido: alguma coisa ou qualquer um cuja extrema determinação deixa plenamente subsistir o indeterminado (por exemplo, ummonstro ao estilo de Goya). Nesse sentido, o pensamento é um monstro.AV – A physis parece exercer um grande papel em sua obra.GD – Você tem razão, creio que eu giro em torno de uma certa idéia da Natureza, mas nãocheguei ainda a considerar essa noção diretamente. AV – Pode-se designá-lo como “sofista”, no bom sentido, e o antilogos, trata-se de um retorno,para além do golpe de força de Platão contra os sofistas?GD – Não. O antilogos, para mim, está menos ligado à astúcia no sentido dos sofistas do que aoinvoluntário de Proust.AV – O pensamento é, na sua obra, “espermático. Ele tem uma relação clara, nesse sentido, com a sexualidade?GD – Isso é verdade até Lógica do sentido, no qual existe ainda uma relação enunciável entresexualidade e metafísica. Depois, a sexualidade me parece, antes, uma abstração mal fundada.AV – Pode-se modelizar a sua evolução por meio de sínteses?GD – Vejo a minha evolução de forma diferente. Você conhece a “Carta a Michel Cressole”: é aí que explico minha evolução tal como a vejo.AV – O pensamento como audácia e aventura?GD – Naquilo que escrevi, creio muito nesse problema da imagem do pensamento e num pensamento liberto da imagem. É já Diferença e repetição, mas também em Proust, e ainda Mil platôs.AV – Você tem uma capacidade para encontrar, apesar de tudo e de todos, os verdadeiros problemas.GD – Se isso for verdadeiro é porque eu acredito na necessidade de construir um conceito do problema. Tentei em Diferença e repetição e gostaria de retomar essa questão. Mas praticamente isso me leva a buscar, em cada caso, como um problema pode ser colocado. É dessa maneira,parece-me, que a filosofia deve ser considerada como uma ciência: determinar as condições de um problema.
AV – Há um início de rizoma Deleuze – Guattari – Foucault – Lyotard – Klossowski – etc.?GD – Isso poderia ter sido feito, mas não se fez. Na verdade, só há rizoma entre Félix e mim.AV – A conclusão de Mil platôs consiste em um modelo topológico radicalmente original em filosofia. Ele é traduzível matematicamente, biologicamente? GD – A conclusão de Mil platôs é, na minha cabeça, uma tabela de categorias (mas incompleta,insuficiente). Não à maneira de Kant, mas à maneira de Whitehead. Categoria assume, pois, um novo sentido, muito especial. Eu gostaria de trabalhar esse ponto. Você pergunta se há transposição matemática e biológica possível. É provavelmente o inverso. Sinto-me bergsoniano, quando Bergson diz que a ciência moderna não encontrou sua metafísica, a metafísica que ela necessitaria. É essa metafísica que me interessa.AV – Pode-se dizer que um amor pela vida, em sua amedrontadora complexidade, o conduz ao longo de toda a sua obra?GD – Sim. O que me desgosta, teoricamente, praticamente, é toda espécie de queixa relativamente à vida, toda cultura trágica, isto é, a neurose. Suporto muito mal as neuroses.AV – Você é um filósofo não-metafísico?GD – Não, eu me sinto um puro metafísico.AV – Um século, para você, poderá ser deleuziano, leve? Ou você é pessimista sobre a possibilidade de se livrar da identidade e do poder dos traços?GD – Não, não sou, de forma alguma, pessimista porque não creio na irreversibilidade das situações. Tomemos o estado catastrófico atual da literatura e do pensamento. Isso não me parece grave para o futuro.AV – Depois de Mil platôs?
GD – Terminei agora um livro sobre Francis Bacon e só tenho agora dois projetos: um sobre“Pensamento e cinema” e um outro será um livro grande sobre “O que é a filosofia?” (com oproblema das categorias).AV – O mundo é duplo, macrofísico (e a imagem do pensamento aí funciona muito bem) e microfísico (é o seu modelo que, há anos, depois da mesma revolução em ciência, em arte, dá conta disso). Há uma relação polêmica entre esses dois pontos de vista?GD – A distinção entre o macro e o micro é muito importante, mas ela pertence mais a Félix que a mim. A mim toca, antes, a distinção entre dois tipos de multiplicidade. Isso é o essencial paramim: o fato de que um desses dois tipos remete às micromultiplicidades não passa de umaconseqüência. A mesma coisa para o problema do pensamento, e mesmo para as ciências, anoção de multiplicidade, tal como é introduzida por Riemann, me parece mais importante que a da microfísica.

Nenhum comentário:

Postar um comentário