quinta-feira, 30 de abril de 2009

Andrei Linde

P: Atualmente, todos nos tornamos confortáveis com o modelo do big-bang, que é a noção de que o Universo nasceu através de uma explosão cósmica que deu origem a uma espécie de bola em expansão. O que há de errado com essa idéia?Existem uma série de problemas com a teoria do big-bang, mas falarei inicialmente sobre dois de natureza física, e dois de caráter filosófico.Se você trabalhar com as equações que governam o big-bang, verá que elas predizem que tal universo seria muito pequeno, ainda que possamos ver que nosso universo é bastante grande. Uma forma de estimar o tamanho de um universo é analisarmos quantas partículas elementares existem nele - quantos prótons, elétrons, neutrons, etc. estão presentes.Quando observamos o nosso, a matéria que vemos é composta de talvez 1088 partículas elementares, mas um modelo teórico típico para o big-bang vislumbra um universo com somente 10 partículas elementares nele! Este é talvez o mais sério problema com o modelo do big-bang. Faz uma falsa previsão sobre o tamanho do universo. Durante anos, este falha matemática não foi levada a sério por muitos cientistas.Mas mesmo que um universo originado pelo big-bang fosse do tamanho correto, a teoria não explica por que diferentes regiões do universo assemelham-se às outras. Em um modelo de big-bang, facilmente poderia teria acontecido de a maioria da matéria galática estar distribuída em, digamos, uma metade do céu, porém podemos observar que em nosso universo a distribuição de galáxias distantes é uniforme em qualquer direção.Vem então as questões filosóficas: O que veio antes do big-bang? Como tudo apareceu do nada? Um outro problema filosófico com o big-bang é, por que aconteceu de nosso universo ser do jeito que é? Por que, p.ex., temos três dimensões de espaço e uma de tempo? A teoria do big-bang não oferece respostas satisfatórias. Podemos no entanto começar a resolver os quebra-cabeças no contexto da teoria do universo inflacionário, que se auto-reproduz.P: O que é a teoria do universo inflacionário?Existem muitas versões desta teoria. A primeira foi proposta pelo físico soviético Alexei Starobinsky, mas era por demais complicada. Uma teoria bem mais simples foi apresentada por Alan Guth, do MIT; nós chamamos seu modelo de velha inflação agora. Guth tomou a idéia do modelo do big-bang e adicionou a idéia de que, no começo, o universo expandiu-se rapidamente - mais rápido mesmo que a velocidade da luz.Usando-se este modelo, resolve-se o problema do tamanho, e por que todas as regiões do universo que podemos observar são semelhantes umas às outras. A idéia é que a parte visível do universo foi inflada a partir de uma região muito pequena e homogênea; por isso é que vemos similaridades em larga escala.No entanto, a teoria de Guth apresentava uma falha, que causava o fato de os universos em seu cenário tornarem-se muito homogêneos após a inflação terminar. Criei então uma nova teoria da inflação que funcionava "mais-ou-menos" até que percebi que poderíamos ter inflação sem o pressuposto que o universo começou em um estado quente e denso. Desta forma, descartei a idéia do big-bang porém mantive a da inflação. Em meu modelo, a inflação pode começar em qualquer ponto. Este conceito é chamado Inflação Caótica.P: O que causa a inflação?Existem conceitos chamados campos escalares. Escalar é uma palavra que os físicos utilizam para designar um número - este conceito é oposto ao do vetor. Se você possui um campo escalar, você possui um certo número definido em cada ponto do espaço. A pressão do ar pode ser entendida como um campo escalar: existe um número específico que mede a pressão em cada ponto. Da mesma forma, temperatura é uma grandeza escalar.Dois campos escalares que são importantes para as teorias inflacionárias são algumas vezes chamados de campo Inflaton e campo de Higgs. Estes campos permeiam o universo e mostram sua presença afetando as propriedades das partículas elementares. Não se nota um campo escalar constante mais do que uma pressão constante do ar ou uma carga elétrica constante. Quando há uma pressão atmosférica alta, tem-se ventos; quando há uma grande carga elétrica, tem-se faíscas; e quando há um grande campo escalar chamado campo inflaton, você tem uma expansão do espaço. Na mecânica quântica subentende-se que campos escalares sofrem flutuações impredizíveis como resultado do princípio da incerteza. Se há um lugar onde as flutuações tornam o campo inflaton suficientemente grande, aí então o universo começa a expandir-se muito rapidamente, o que cria mais espaço do que seria seguro para vivermos lá.
P: E sobre o aspecto "auto-reprodutor"de seu modelo?As flutuações que causam o aumento da velocidade da inflação podem acontecer indefinidamente, e novamente pela indefinição que o princípio da incerteza introduz na equação. Este fato faz o universo auto-reprodutor: ele realmente auto-replica-se em todas as suas formas.A teoria padrão do big-bang representa um universo homogêneo, com a aparência de uma bolha isolada. Se levarmos em conta, porém, efeitos quânticos, o universo inflacionário auto-reprodutor é uma bolha produzindo novas bolhas, e etc., etc., e assim por diante. Este padrão de repetições locais de um padrão é o que os matemáticos chamam de fractal. Um padrão fractal é caracterizado pela propriedade que os bits de um padrão possuem de serem réplicas exatas do padrão global. Um carvalho, p.ex., é como um fractal no qual uma sua região é semelhante a um modelo em escala da árvore inteira.Desta forma, pensamos num universo inflacionário auto-reprodutor como sendo um fractal. O big-bang apresenta uma descrição de cada bolha específica, somente. No modelo fractal, não há nenhuma razão específica para o universo interromper seu crescimento - de fato, mostra que ele continuará a se expandir inclusive em novas regiões, eternamente.P: Poderia ajudar na visualização deste universo inflacionário auto-reprodutor?Existem dois tipos de imagens que costumo usar. Na primeira delas, desenho algo que assemelha-se como muitas bolhas conectadas umas às outras nos pontos onde se tocam. Assemelham-se a um sistema de bóias de sinalização marítima.No outro exemplo - e realizei várias simulações de computador desta imagem - penso no espaço como uma folha de papel. Nosso espaço, é claro, é tridimensional, porém o represento como uma folha de borracha bidimensional. Adiciono, então, um campo escalar que fluta randomicamente (um campo inflaton) e represento as regiões nas quais o campo inflaton tem um baixo valor numérico sob a forma de vales, e aquelas que possuem um alto valor, por picos. Estes picos são os locais onde a inflação ocorre; nesses locais, o universo expandir-se-à rapidamente. Não posso representar a inflação em minhas figuras, porém posso representá-la adicionando novos picos secundários no topo dos primeiros picos, picos terciários no topo destes secundários, e daí por diante. É como escalar uma montanha.O que é um pouco difícil para entender é o fato de as duas figurações representarem a mesma coisa. Os picos em uma imagem correspondem às bolhas na outra. Um pico que cresce no topo de outro é como uma bolha que nasce à partir de uma bolha pré-existente.>P: Podemos viajar para as outras bolhas de nosso universo fractal?No futuro, nosso céu será muito diferente, na medida em que as estrelas em nossa vizinhança forem "morrendo". A partir daí, começaremos a enxergar outras partes do universo, partes que possuem leis físicas diferentes. Poderemos usar a energia de nossa bolha? Poderemos voar para outras "pontas"do fractal? Poderemos ir para esses lugares e viver confortavelmente? A teoria dos vôos cósmicos envolvendo grandes distâncias sugere que mesmo que voássemos à velocidade da luz perderíamos tanto tempo que, quando chegássemos em outra parte do universo, seria frio e vazio lá.>P: Você diz que alguns dos universos-bolhas possuem diferentes lei físicas. Como funciona isso?Falamos do campo inflaton como o responsável pela expansão do universo. Como antes mencionado, parece existir um segundo campo escalar, que cria diferentes tipos de leis físicas em diferentes regiões do universo. Este é o campo Higgs. Existe um conjunto de leis físicas que abrange todo o universo, porém o campo Higgs dá abertura a diferentes aspectos desse conjunto de leis. Este princípio é similar àquele da água, que pode existir sob diferentes formas.>P: O que aconteceria se pudéssemos nos deslocar para os limites de uma região do universo que possuísse uma física diferente? Com que se pareceria?Entre as diferentes regiões do universo existem limites chamados muros de domínio . Existe uma tendência destes a aplainarem-se. Pode-se pensar neles como sendo um pouco como as regiões - limite de bolhas de sabão em uma espuma, com as regiões que possuem física diferente aquelas dentro das bolhas. Os muros de domínio podem ser irregulares inicialmente, havendo a tendência ao longo do tempo de tornarem-se retilíneos. Adicionalmente, as regiões tendem a encolher ou expandir-se, e esta expansão é , de fato, muito rápida - acontece a uma velocidade próxima a da luz. Isto significa que os muros de domínio estarão movendo-se em uma direção ou outra com uma velocidade que aproxima-se a da luz.Seria então, em primeiro lugar, difícil alcançar um muro de domínio se este encontra-se movendo-se adiante de você, em qualquer velocidade. E se estivesse se movendo ao encontro de você, seria difícil fugir dele, pelo fato de o mesmo estar movendo-se muito rápido. De fato, se um muro move-se em sua direção à velocidade da luz, você somente o verá no momento que ele o atingir. Neste momento, você provavelmente morreria em "definitivo", dado que a física do outro lado do muro seria diferente e incapaz de suportar sua forma de vida. Você seria um peixe fora d'água. Não precisamos, todavia, nos preocupar demais; a distância existente entre nós e o próximo muro de domínio é tipicamente estimada em muito mais de 10 bilhões de anos-luz.P: Poderíamos afirmar que as regiões que possuem físicas diferentes "competem"umas com as outras?As regiões do universo que crescem mais rápido contém mais volume; talvez contenham mais habitantes. Isto parece uma conveniência Darwiniana. Deveríamos ser discriminativos, e dizer que aqueles que vivem em áreas de maior volume são "vencedores"? Existem lugares para "perdedores", também. Tudo que existe tende a possuir espaço para sua existência no universo inflacionário auto-reprodutor. Podemos pensar num processo Darwiniano, sem envolver ódio e assassinatos.>P: Como todo o processo começou?Talvez o universo não tenha tido um começo. Existem problemas filosóficos com esta idéia. Quando o universo foi criado, onde foram escritas as leis físicas? Onde foram escritas as leis físicas se não existiam espaço ou tempo para escrevê-las? Talvez o universo tenha sido criado sem obedecer a leis, mas neste caso meu entendimento não existe. Talvez as leis e o universo tenham adquirido existência simultaneamente. A mecânica quântica pode afirmar que nosso universo,conjuntamente às suas leis físicas, tenha aparecido como uma flutuação quântica, mas nesse caso, como foram escritas as leis da mecânica quântica antes da criação?>P: Em um de seus trabalhos, você fala sobre relacionar a natureza de nossa consciência com nosso universo. O que quis dizer com isso?Para mim, a investigação do universo é, principalmente, uma ferramenta para nosso próprio conhecimento. O universo é nosso lar cósmico. Pode-se imaginar o que se aprenderia sobre um amigo, p.ex., observando como sua casa foi construída. Meu propósito final não é o de entender o universo, porém compreender a vida.Um exemplo disto é a questão sobre por que nós humanos observamos a passagem do tempo. De acordo com o ramo da física chamado Cosmologia Quântica, o universo é melhor representado de acordo como um padrão chamado de função de onda, que é independente do tempo. Então, por que vemos o universo desenvolvendo-se ao longo do tempo? A resposta deve ser que, enquanto observo o universo, ele se fraciona em duas partes: eu e o resto do universo. E isto leva a que a função de onda para cada um desses pedaços individuais dependa do tempo. Porém se eu fundir-me com o universo, meu tempo pára.>P: Você sugeriu que poderia ser possível criar um universo em laboratório através de compressão violenta de matéria, e que 1mg de matéria pode iniciar um universo auto-reprodutor. Como isso funcionaria?Seria difícil. Tem-se que fazer mais do que comprimir matéria. Porém, com altas temperaturas e efeitos quânticos, há uma chance de criar um universo. Teria-se que possuir um laboratório excelente, de fato. E não é perigoso tentar. Este novo universo não iria interferir com o nosso; ele iria expandir-se dentro de si mesmo - como inflar uma bolha do lado de fora de nosso espaço.>P: Pode imaginar algum tipo de ganho econômico ou espiritual em se criar novos universos? Isto pode levar a novas indústrias no Silicon Valley ou a um culto cosmológico?A questão é: Existe interesse em criar-se um universo? Teria benefícios ou lucros? Qual seria o uso? Suponha que a vida em nosso universo esteja acabando, e que criemos um pequeno universo privado, para o qual possamos pular, de forma a possuirmos um lugar para viver. Mas não é fácil transitar entre universos. Quando criamos um universo, ele é conectado ao nosso por uma ponte muito estreita de espaço. - nós não podemos passar por ela, e o novo universo iria nos repelir, pelo fato de estar expandindo-se.Bem, talvez você possa extrair energia a partir do novo universo? Não,em função da lei da conservação da energia. O novo universo possui sua própria energia, e esta tem que ficar nele, internamente. Talvez possamos fazer como com as nossas crianças: as ensinamos e convivemos, aprendemos com elas. Talvez possamos dar conhecimento e informação para o novo pequeno universo.>P: Seríamos capazes de nos comunicar? Enviar e receber informação do universo que ajudamos a criar?Não é tão fácil enviar informação para dentro dele. Digamos que se escreva uma mensagem na superfície de um universo inflacionário. As letras, entretanto, expandir-se-iam tanto que, por bilhões de anos, cada raça no universo viveria ao lado de uma só letra. Nunca veriam a mensagem. A única forma de enviar informações que descobri é estranha e pouco usual.Se criasse um universo inflacionário com uma baixa densidade, poderia preparar o universo em um particular estado que correspondesse a diferentes leis da física, massas de partículas, interações, etc. Posso imaginar um código binário que descrevesse todas as possíveis leis físicas; seria, sem dúvida, uma longa seqüência. Daí, neste universo criado em um estado peculiar, poderia ser enviada essa mensagem, codificada nas leis da física.Poderia mandar uma longa mensagem, desta forma? Vamos pensar em nosso próprio universo. Imaginemos que alguém fez nosso universo como uma mensagem. Se nosso universo é perfeito, com todas as partículas possuindo igual massa e carga, então as leis da física seriam triviais, e a mensagem seria bem curta. Mas nossa física de partículas é misteriosa, e possui uma grande quantidade de informação. Analisemos esses estranhos números; não existe harmonia quando tentamos encontrar um padrão, um senso comum. Há informação, ao invés de harmonia. Talvez seja mais exato dizer que há harmonia, que, no entanto, está muito bem escondida.>P: Para enviar uma longa mensagem, deveria ser feito um universo misterioso com leis complicadas de física. É a única forma de enviar-se informação. As únicas pessoas que podem ler essa mensagem são os físicos. Desde que o que vemos a nossa volta é um estranho universo, isto implica que nosso universo não foi criado por Deus, mas por um físico/hacker?Eu não penso que esta possibilidade seja totalmente uma piada. Mesmo se alguma coisa pareça não ser intuitiva, deve-se ser honesto e seguir sua linha de pensamento, não sendo influenciado pelo ponto de vista comum. Se você concorda com tudo o que as outras pessoas dizem, você nunca sairá do lugar.

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