sábado, 10 de outubro de 2009

"gêngis khan" por Jean-paul roux

O guerreiro gêngis khan
http://www.youtube.com/watch?v=2BfPgF4DF-Q&feature=fvw
Nas profundezas da Ásia da segunda metade do século XII, a Mongólia oriental era um país bonito, mas rude. O clima da região era especialmente favorável à formação de guerreiros saudáveis e resistentes. Esses homens eram extraordinários cavaleiros, e seus animais, inigualáveis. Além disso, o armamento dos guerreiros incluía arcos excepcionais.O chamado “perigo amarelo” já era conhecido na Europa, como memória assombrosa do século V, quando os hunos, liderados por Átila, promoveram ataques e conquistas em vários países. Provavelmente, eles provinham de tribos nômades da Ásia central.No século XII, porém, parecia remota a possibilidade de ataques de nômades do Oriente. Fazia muito tempo que eles estavam quietos. Os turcos uigures, que formaram o último império das estepes, haviam sido destruídos em 840 por outros turcos, os quirguizes do Ienissei. Os vitoriosos nada construíram e não tardaram a recuar para o vale de seu rio, em 924. Sucessores dos quirguizes, os khitan abandonaram a Mongólia para se fixar na China. Quando regressaram, a população remanescente já não sabia ler nem escrever e havia renunciado ao xamanismo, espécie de técnica mágico-religiosa. À margem da civilização chinesa e iraniana, essa gente também havia passado ao largo do cristianismo, bem sucedido na Ásia central.Nesse ambiente, ninguém poderia imaginar que aquele garotinho chamado Temudjin, nascido em um dia situado ora em 1155, ora em 1162, ora em 1167, estava fadado a resgatar a tradição de conquistas de seu povo.E ainda a viver a aventura mais assombrosa que o mundo conheceu e a fundar o maior império da história em extensão contínua de terra.
O menino viveu os primeiros anos no seio da família nobre, mas modesta e sem maiores distinções. Aos 9 anos, perdeu o pai, assassinado pelos tártaros, o povo mais feroz e valente da Mongólia – por ironia, o adulto Gêngis Khan buscaria nessa tribo soldados para seu exército. A morte do pai significou o abandono da família pela sociedade local. Temudjin, com a mãe e os irmãos, viu-se reduzido a uma existência miserável nos montes Kentai.Mesmo faminto, acossado, quase sempre ameaçado de morte e até mesmo aprisionado uma vez, o garoto mongol conseguiu sobreviver e crescer em força e energia. Em dado momento, ficou noivo e se casou com alguém à imagem da mãe: dominante.O casamento permitiu-lhe reingressar na sociedade e ficar sob a proteção da poderosa família da noiva, os kereyt, turcos cristianizados. A vida sem desalento também revelou seu gênio: em poucos anos, Temudjin se impôs e adquiriu ascendência considerável sobre os que falavam sua língua, o mongol. Tanto que, em 1196, foi eleito chefe, o khan. E logo tratou de se li vrar dos inimigos e invejosos e dos que se opunham à sua ascensão.Em 1202, vingou o pai vencendo os tártaros e obrigando-os a servi-lo. Em 1204, o khan subjugou os turcos naimanos. Em 1206, os uigures aderiram espontaneamente ao poderoso chefe – eram igualmente turcos, mas do longínquo Turquestão chinês. Os uigures transmitiram pacificamente aos novos aliados seus saberes milenares, da bacia do Tarim: o alfabeto, que se tornou mongol até os dias de hoje, e a cultura administrativa, assim como pessoal treinado, fatores indispensáveis à organização de um governo central e expansionista.No mesmo ano, 1206, uma assembléia plenária das tribos elegeu Temudjin chefe de toda a Mongólia oriental, com o título de “chefe oceânico”, o Cinggis Kaghan, na língua mongol aculturada. O Ocidente o transformou em Gêngis Khan.Acaso já cogitava, então, conquistar o mundo inteiro? Sem dúvida, pois aceitou o título de “chefe oceânico”, o que no entendimento da época era sinônimo de “universal”. E ainda porque era recorrente entre os turco-mongóis a ideia de que, assim como havia um único Deus no céu, só um senhor único na terra garantiria a paz eterna.Nem Gêngis Khan nem seus sucessores chegaram a tanto. Escaparam-lhes a Europa ocidental, a África, as Índias e as ilhas da Ásia oriental. Conquistaram, porém, todos os outros territórios entre o Pacífico e o Mediterrâneo. Em 1209, enquanto um dos filhos do chefe, Djotchi, sujeitava a Sibéria meridional, Gêngis Khan venceu o reino tibetano dos si-hia e atacou a China. A Grande Muralha o deteve durante dois anos. Ele a contornou pelo norte, anexou a Manchúria e, em 1215, com muito esforço, apoderou-se de Pequim, sua primeira grande cidade. Não quis, porém, entrar nela. Confiou o comando das tropas invasoras ao tenente Muqali e retornou à sua terra em 1217.
A campanha no Extremo Oriente foi prolongada, muito maior do que a vida de Gêngis Khan. Só em1276 – e pela primeira vez na história – a China se submeteu inteiramente. A Coreia foi invadida entre 1231 e 1236. No Sudeste Asiático, a Indochina foi conquistada entre 1257 e 1288; a Birmânia, em 1288; e o Sião (Tailândia), entre 1287 e 1294. Mas os mongóis fracassaram na conquista do Japão (entre 1274 e 1281) e na da Indonésia (1293).No retorno de Pequim, Gêngis Khan decidiu levar a guerra a terras ainda desconhecidas. Durante mais de um ano, em casa, preparou a campanha com cautela, pois as invasões mongóis não eram irrupções de hordas desorganizadas a atacar a esmo. Ao contrário, toda operação militar era precedida do reconhecimento das estradas, do envio de batedores e espiões e de armazenamento de víveres nas etapas previstas.Julgando-se pronto em outubro de 1219, ele rumou ao oeste. Na época, o oeste, ou melhor, o sudoeste era o mundo iraniano, que o xá de Corásmia, certo Muhammad, acabava de unificar. Para vencer essa potência temível, Gêngis Khan recorreu a um método dissuasivo: devastar as cidades que opunham resistência para que as outras capitulassem. A maior parte foi reduzida a cinzas: Bucara, Samarcanda, Urgendj, Balkh (Báctria), Merv, Nichapur, Ghazni, Herat. Foi um tempo terrível para o Irã oriental. A brilhante civilização de Corásmia (o delta do Oxus), que tivera AL Khwarizmi, o maior matemático do mundo muçulmano, ou al Biruni, o seu sábio mais prestigioso, foi arrasada. Falava-se em centenas de milhares de vítimas, na morte de todo ser vivente, inclusive cães e gatos. Só os sacerdotes de todas as religiões foram poupados. Depois de destruir, Gêngis Khan reconstruía. Não tinha como ressuscitar os mortos, mas mandava buscar outros vivos que os substituíssem. Em toda parte, organizava, instituía uma administração eficaz, recrutava os habitantes que a ele aderissem.Ao chegar ao rio Indo, em 1220, despachou os generais Djebe e Subedei, com 20 mil homens, no encalço do foragido Muhammad do Irã. Estes empreenderam uma incursão extraordinária. Venceram os iranianos, os armênios e os georgianos (então poderosos). Transpuseram, então, as montanhas do Cáucaso e venceram primeiro os turcos kipchaks da atual Ucrânia e depois os russos, em 1222, na batalha de la Kalka.Para reencontrar Gêngis Khan, que os aguardava na Ásia central, esse exército contornou o mar Cáspio pelo norte e, de passagem, venceu também os búlgaros do médio Volga (1224). Em quatro anos, percorreu 20 mil km, esfacelando em toda parte exércitos muito mais poderosos.Gêngis Khan morreu, durante uma campanha, no dia 18 de agosto de 1227, sem conhecer uma parte do território que seus homens conquistaram. Mas o impulso que deu foi tal que, de 1227 a 1294, seus sucessores Ogedei, Guyuk, Mongka e Kublai e os regentes Toragana e Oghul Qaimich continuaram sua obra. Ao mesmo tempo que, a leste, ocuparam a China, a Coreia e o Sudeste Asiático, retomaram a expansão a oeste. O Irã foi dominado em 1230-1231; a Geórgia, em 1236; os principados russos, em 1237-1238; a Armênia aderiu em 1239 e tornou- se uma aliada fiel. A Ásia Menor rendeu-se em 1243. Em 1258, os mongóis tomaram Bagdá e executaram o califa abássida, chefe supremo do islã.Em 1259, chegaram à Síria, onde sofreram, no ano seguinte, a primeira verdadeira derrota. Tiveram de deixar o país e, em vão, ainda tentaram conquistá-lo várias vezes.Mesmo depois da histórica derrota, os guerreiros de Gêngis Khan fizeram uma incursão espetacular e decisiva na Europa, que alguns consideram a campanha mais brilhante dos mongóis. Partindo da Ucrânia, que eles haviam acabado de ocupar, em 1240, tomaram Cracóvia e Buda (Budapeste), chegaram a Neustadt, perto de Viena, invadiram Gran e Zagreb e atingiram o Adriático.Passaram apenas alguns meses na Polônia, na Hungria e nos Bálcãse logo se retiraram, para se recompor. Nunca mais voltaram, mas a ameaça que representavam e o terror que despertavam continuaram pesando muito. A unidade do império mongol jamais foi garantida. Apesar da colaboração dos vencidos, as etnias, os costumes e os interesses regionais eram muito divergentes para que o império permanecesse coeso. Além disso, este era demasiado vasto, havia sido construído em tempo curtíssimo – só 75 anos –, e os mongóis eram minoritários.Os conquistadores foram expulsos do Irã em 1336 e da China em 1368. Mas a chamada Horda Dourada e seus herdeiros subsistiram no poder até 1556, dominando Rússia europeia, Cazaquistão, Ucrânia, parte da Bielo-Rússia, norte do Uzbequistão, Sibéria ocidental e um pedaço da Romênia. Na Ásia central, os príncipes conservaram seus pequenos tronos até a revolução soviética.Os ecos do império mongol foram certamente mais duradouros. Durante muito tempo, os povos tiveram saudade da paz mongol, mais ou menos como outros a haviam tido da pax romana. Não faltava quem desejasse refazer o império.
cronologia:c. 1155 Nascimento de Temudjin, o futuro Gêngis Khan.
1196 Temudjin é proclamado chefe dos mongóis.
1206 Temudjin torna-se “ chefe oceânico” ou Cinggis Kaghan Tomada de Pequim pelos mongóis, seguida da conquista da China, da Coreia e do Sudeste Asiático.
1220 Ataque dos mongóis contra o mundo muçulmano do Oriente Próximo.
1227 Morte de Gêngis Khan.
1230-1231 Ocupação do mundo iraniano.
1237 Conquista da Rússia.
1241 Incursão mongol na Europa oriental e central.
1243 Sujeição da Ásia Menor.
1258 Destruição do califado abássida de Bagdá.
1260 Primeira derrota dos mongóis, na Síria
OS RELATOS DOS VIAJANTES:Durante toda a duração do império, a Ásia viveu uma mescla fantástica de populações. Os mongóis, quase sempre, preferiam voltar para sua terra. Mas muita gente emigrou ou foi deportada. Eram numerosos os chineses instalados no Irã e os iranianos fixados na China. Também um número nada desprezível de europeus vivia longe da pátria.É bom lembrar que a unificação da Ásia possibilitou pela primeira vez as viagens intercontinentais. Havia trânsito de diplomatas, de pregadores cristãos, aventureiros e comerciantes. Isso durou apenas o tempo do império.Foram centenas e até milhares os que enfrentaram as fadigas e os perigos da viagem à Mongólia, à China, às Índias, mas só se conhecem os viajantes que registraram por escrito suas andanças: Rubruck, Pian del Carpine (1244-1247), Marco Polo (1273-1295), Odorico da Pordenone (c. 1265 1331) ou ainda João de Montecorvino, o primeiro arcebispo de Pequim (em 1308).Todos retornaram a seus países assombrados com a imensidão inconcebível do mundo, com as tantas coisas que ignoravam e não compreendiam. De um lado, coisas reais e maravilhosas: os elefantes, os pássaros que falavam (papagaios), o papel-moeda, as pedras que ardiam e aqueciam (carvão), os carros sem rodas puxados por cães (trenós). De outro lado, coisas imaginárias: homens com cabeça de cachorro, homens que moravam nas árvores (talvez os grandes macacos), cidades cercadas de muralhas de ouro etc.Todos se deslumbraram com a riqueza da Índia e principalmente da China. “Eles têm todas as coisas diferentes das nossas, e são mais bonitas e melhores”, escreveu Marco Polo sobre os chineses.
A ÁSIA EM ARMAS:É de se perguntar como um povo tão pequeno conseguiu subjugar o mundo e empreender campanha em tantas frentes ao mesmo tempo. De fato, em toda parte por onde passavam, os imperadores recrutavam auxiliares, três homens em dez, notava-se às vezes. Os mais numerosos devem ter sido os turcófonos, mas também havia iranianos, árabes, caucasianos, chineses (em 1217, Gêngis Khan formou um corpo de artilharia chinês) e até arcabuzeiros mercenários.Foi como se a Ásia inteira tivesse atacado a Europa em 1241. Essa reunião extraordinária de pessoas e a fidelidade que elas mostravam a seus vencedores causavam assombro. No entanto, é preciso concluir que, apesar dos horrores da guerra, o regime do vencedor agradava, tanto que angariou adeptos entusiastas entre os vencidos.Por quê? Porque se apoiava na justiça, na solicitude, na tolerância religiosa. E porque impunha a paz e eliminava o banditismo, suprimia as fronteiras, estimulava o comércio, o artesanato, as artes e a ciência; porque onde quer que se estabelecesse gerava um renascimento extraordinário.

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