sábado, 2 de maio de 2009

rita levi montalcini

- Como vai celebrar seus 100 anos?- Ah, não sei se viverei até lá, e, além disso, não gosto de celebrações. No que eu estou interessada e gosto é do que faço cada dia!- E o que a senhora faz?-Trabalho para dar uma bolsa de estudos para as meninas africanas para que estudem e prosperem ... elas e seus países. E continuo investigando, continuo pensando.- E como está seu cérebro?- Igual quando tinha 20 anos! Não noto diferença em ilusões nem em capacidade.- Mas terá algum limite genético?- Não. Meu cérebro vai ter um século... mas não conhece a senilidade... O corpo se enruga, não posso evitar, mas não o cérebro!- Como você faz isso?- Possuímos grande plasticidade neural: ainda quando morrem neurônios, os que restam se reorganizam para manter as mesmas funções, mas para isso é conveniente estimulá-los!- Ajude-me a fazê-lo.- Mantenha seu cérebro com ilusões, ativo, faz ele trabalhar e ele nunca se degenera.- Qual é o segredo para se viver muito?- A chave é manter curiosidades, empenho, ter paixões....- A sua foi a investigação científica...- Sim. E segue sendo...- Descobriu como crescem e se renovam as células do sistema nervoso...- Sim, em 1942: dei o nome de Nerve Growth Factor (NGF, fator do crescimento nervoso), e durante quase meio século houve dúvidas, até que foi reconhecida sua validade e em 1986, me deram o prêmio por isso.- Como foi que uma garota italiana dos anos vinte converteu-se em neurocientista?- Desde menina tive o empenho de estudar. Meu pai queria me casar bem, que fosse uma boa esposa, boa mãe... E eu não quis. Fui firme e confessei que queria estudar.- Seu pai ficou magoado?- Sim, mas eu não tive uma infância feliz: sentia-me feia, tonta e pouca coisa... Meus irmãos maiores eram muito brilhantes e eu me sentia inferior...- Vejo que isso foi um estímulo...- Meu estimulo foi também o exemplo do médico Albert Schweitzer, que estava na África para ajudar com a lepra. Desejava ajudar aos que sofrem, isso era meu grande sonho!- A senhora tem feito... com sua ciência.- E, hoje, ajudando as meninas da África para que estudem. Lutamos contra a enfermidade, a opressão da mulher nos países islâmicos por exemplo, além de outras coisas...- A religião freia o desenvolvimento cognitivo?- A religião marginaliza muitas vezes a mulher perante o homem, afastando-a do desenvolvimento cognitivo, mas algumas religiões estão tentando corrigir essa posição.- Existem diferenciais entre os cérebros do homem e da mulher?- Só nas funções cerebrais relacionadas com as emoções, vinculadas ao sistema endócrino. Mas quanto às funções cognitivas, não tem diferença alguma.- Por que ainda existem poucas cientistas?- Não é assim! Muitos descobrimentos científicos atribuídos a homens, realmente foram feitos por suas irmãs, esposas e filhas.- É verdade?- A inteligência feminina não era admitida e era deixada na sombra. Hoje, felizmente, tem mais mulheres que homens na investigação cientifica: as herdeiras de Hipatia!- A sábia Alexandrina do século IV...- Já não vamos acabar assassinadas nas ruas pelos monges cristãos misóginos, como ela foi. Claro, o mundo tem melhorado algo...- Ninguém tentou assassiná-la?- Durante o fascismo, Mussolini quis imitar o Hitler na perseguição aos judeus... e tive que me ocultar por um tempo. Mas não deixei de investigar: tinha meu laboratório em meu quarto... E descobri a apoptose, que é a morte programada das células!- Por que tem uma alta porcentagem de judeus entre cientistas e intelectuais?- A exclusão estimula entre os judeus os trabalhos intelectivos e intelectuais: podem proibir tudo, mas não que pensem! E é verdade que tem muitos judeus entre os prêmios Nobel...- Como você explica a loucura nazista?- Hitler e Mussolini souberam como falar ao povo, onde sempre prevalece o cérebro emocional por cima do neocortical, o intelectual. Conduziram emoções, não razões!- Isto está acontecendo agora?- Porque você acha que em muitas escolas nos Estados Unidos é ensinado o creacionismo e não o evolucionismo?- A ideologia é emoção, é sem razão?-A razão é filha da imperfeição. Nos invertebrados tudo está programado: são perfeitos. Nós, não! E, ao sermos imperfeitos, temos recorrido à razão, aos valores éticos: discernir entre o bem e o mal é o mais alto grau da evolução darwiniana!- Você nunca se casou ou teve filhos?- Não. Entrei no campo do sistema nervoso e fiquei tão fascinada pela sua beleza que decidi dedicar todo meu tempo, minha vida!- Conseguiremos um dia curar o Alzheimer, o Parkinson, a demência senil?- Curar... O que vamos lograr será frear, atrasar, minimizar todas essas enfermidades.- Qual é hoje seu grande sonho?- Que um dia logremos utilizar ao máximo a capacidade cognitiva de nossos cérebros.- Quando deixou de sentir-se feia?- Ainda estou consciente de minhas limitações!- Que tem sido o melhor da sua vida?- Ajudar aos demais.- O que você faria hoje se tivesse 20 anos?- Mas eu estou fazendo!!!!

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