A aceleração da história e a incapacidade de pensar o tempo desembocaram no que se poderia chamar de "morte das utopias"?Marc Augé - Sim, é o que os filósofos disseram, e penso em Lyotard quando postulava "o fim dos grandes relatos". Não se trata somente do marxismo; também não há um grande relato do liberalismo. Talvez o único grande relato que existe é o do fim da história de Fukuyama e é muito difícil, como o observou oportunamente Derrida em seu livro Espectros de Marx [Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994], entender si Fukuyama, quando se refere ao fim da história, fala de uma perspectiva ou de uma realidade. Não há um grande relato do liberalismo e de maneira concreta se percebe isso nos debates políticos. Há anos que se diz que não há debates, que não há contrastes entre a esquerda e a direita, que não sabemos de que se trata.O indivíduo não tenta mudar a sociedade porque seria um consumidor satisfeito?Marc Augé - Muita gente não tem acesso ao consumo, e a possibilidade de ter um consumo melhor é uma perspectiva para eles. Há uma certa homogeneização da imaginação, tanto da parte dos que têm acesso ao consumo como da parte dos que aspiram a ser consumidores. Mas, o risco que enfrentamos não é o do consumidor satisfeito, mas que o mundo se transforme numa pequena minoria que detém o saber e o poder diante de uma grande maioria de consumidores e de pobres.
Num dos ensaios que integra Não-lugares, assinala que "se a experiência distante nos ensinou a descentralizar o nosso olhar, devemos tirar proveito desta experiência". Como aproveitar esta experiência?Marc Augé - O problema do espaço, o problema da relação social, é o mesmo problema. A dificuldade é pensar a relação com os outros porque o tecido social muda muito rapidamente. Nos anos 60, depois das independências, havia discussões para imaginar como seria possível o desenvolvimento nos países subdesenvolvidos, entre as opções mais liberais e mais coletivistas, mas se preservava uma imaginação do futuro através de uma relação entre os países ex-colonialistas e os ex-colonizados. No final dos anos 1970, começo dos anos 80, se discutiu a idéia da caridade, Madre Teresa, tal como no século XIX as relações entre os ricos e os pobres. Mas não há mais relação senão uma coexistência, numa sociedade de indivíduos consumidores com espaços onde não existem relações simbolizadas, relações sociais no sentido forte da palavra. Não são espaços onde se podem elaborar novas relações. Por outro lado, não estamos vivendo num mundo de liberdade, mas de velhice dessa liberdade. A política deverá considerar tudo isto para não esquecer que temos que viver ao mesmo tempo individual e coletivamente.Poderia parecer que o Estado tende a converter-se num não-lugar, contudo não dispõe de símbolos fortes para oferecer. Talvez, nos termos de Max Weber, só preserve o monopólio da violência e da repressão. Seria possível pensar o Estado da "supermodernidade" cada vez mais como um não-lugar?Marc Augé - Não estou certo de que o Estado tenha o monopólio da violência. O paradoxo é que o comunismo postulava o desaparecimento do Estado como um ideal, mas no pensamento da esquerda atual aparece a necessidade do Estado. Temos a impressão de que por trás do Estado operam forças muito grandes que governam o destino do mundo. São as grandes empresas as que governam o mundo e não se pode compreender os grandes problemas centrais a nível internacional se não temos em conta os interesses dessas empresas. Toda a política exterior é uma política que tem a ver com os imperativos econômicos. Podemos pensar que mesmo nos estados democráticos há um risco de que o Estado dependa das forças econômicas internacionais. Tudo isto introduz um mal-estar, inclusive nos países da Europa, mesmo que se possa discutir se a Europa é uma configuração política ou regional. Freqüentemente se coloca a distinção entre "a esquerda de governo" e "a esquerda pura", mas resulta que é a direita que governa. O problema do Estado é o centro dos atuais debates da esquerda.
Por que prefere "supermodernidade" em vez de "pós-modernidade"?Marc Augé - Utilizo a palavra supermodernidade no sentido usado por Althusser, quando há uma determinação com numerosos fatores para serem explicados de maneira simples. Na modernidade atual observamos mais fatores de aceleração, como do tempo, do que de ruptura. Quanto ao termo pós-modernidade, muitos o empregam, inclusive alguns antropólogos norte-americanos, para dar a idéia de pós como coisa completamente diferente. Mas não podemos entender o que acontece hoje sem fazer referência ao século XVIII. Há muitos aspectos da vida atual que poderiam dar a impressão de uma grande confusão, uma grande pluralidade e diversidade pós-colonial. A palavra pós-moderna me parece mais descritiva que analítica, mas podemos entender o que acontece desde a supermodernidade, desde o excesso. Não sou um relativista, não é porque há diferenças no mundo que as diferenças tem que ser respeitadas ou serem a última palavra. Temos que pensar ao mesmo tempo a sociedade e a humanidade, e me parece perigoso pensar apenas a partir do respeito à diversidade. A diversidade, em princípio, é uma coisa boa, mas não sistematicamente. É preciso pensar a cultura, a diversidade, a identidade, sempre em movimento, nunca de maneira fixa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário