domingo, 31 de maio de 2009

Manuel Castells

El País - Esta pesquisa mostra que a Internet não favorece o isolamento, como muitos crêem, e sim que as pessoas que mais batem papo são as mais sociáveis.Manuel Castells - Sim. Para nós não é nenhuma surpresa. A surpresa é que esse resultado tenha sido uma surpresa. Há pelo menos 15 estudos importantes no mundo que dão esse mesmo resultado.EP - Por que acredita que a idéia contrária se propagou com sucesso?Castells - Os meios de comunicação têm muito a ver. Todos sabemos que as más notícias são mais notícia. Você utiliza a Internet e seus filhos também; mas é mais interessante acreditar que ela está cheia de terroristas, de pornografia... Pensar que é um fator de alienação vem a ser mais interessante do que dizer: a Internet é a extensão da sua vida. Se você é sociável, será mais sociável; se não é, a Internet o ajudará um pouco, mas não muito. Os meios de comunicação são de certo modo a expressão do que a sociedade pensa: a questão é por que a sociedade pensa assim.EP - Por medo do novo?Castells - Exatamente. Mas medo de quem? A velha sociedade da nova, os pais de seus filhos, as pessoas que têm o poder ancorado em um mundo tecnológico, social e culturalmente antigo, em relação ao que lhes vem por cima, que não entendem nem controlam e que percebem como um perigo, que no fundo é. Porque a Internet é um instrumento de liberdade e de autonomia, quando o poder sempre se baseou no controle das pessoas, através da informação e da comunicação. Mas isso está acabando, porque a Internet não pode ser controlada.
EP - Vivemos em uma sociedade em que a gestão da visibilidade na esfera pública midiática, como a define John J. Thompson, se transformou na principal preocupação de qualquer instituição, empresa ou organismo. Mas o controle da imagem pública exige meios que sejam controláveis, e se a Internet não o é...Castells - Não é, e isso explica por que os poderes têm medo da Internet. Estive em não sei quantas comissões assessoras de governos e instituições internacionais nos últimos 15 anos, e a primeira pergunta que os governos sempre fazem é: como podemos controlar a Internet? A resposta é sempre a mesma: não podem. Pode haver vigilância, mas não controle.EP - Se a Internet é tão determinante na vida social e econômica, seu acesso pode ser o principal fator de exclusão?Castells - Não, o mais importante continuará sendo o acesso ao trabalho e à carreira profissional, e, antes, o nível educacional, porque sem educação a tecnologia não serve para nada. Na Espanha a chamada divisão digital é uma questão de idade. Os dados são muito claros: entre os maiores de 55 anos, só 9% são usuários da Internet, mas entre os menores de 25 anos são 90%.EP - Então é só uma questão de tempo?Castells - Quando minha geração tiver desaparecido não haverá divisão digital no acesso. Mas na sociedade da Internet o complicado não é saber navegar, mas saber aonde ir, onde buscar o que se quer encontrar e o que fazer com o que se encontra. Isso exige educação. Na realidade, a Internet amplia a mais antiga lacuna social da história, que é o nível de educação. Que 55% dos adultos não tenham completado a educação secundária na Espanha é a verdadeira divisão digital.EP - Nessa sociedade que tende a ser tão líquida, na expressão de Zygmunt Bauman, em que tudo muda constantemente e que está cada vez mais globalizada, pode aumentar a sensação de insegurança, de que o mundo se move sob nossos pés?Castells - Há uma nova sociedade que tentei definir teoricamente com o conceito de sociedade-rede, e que não está muito longe da que Bauman define. Creio que, mais que líquida, é uma sociedade em que tudo está articulado de forma transversal e há menos controle das instituições tradicionais.EP - Em que sentido?Castells - Se amplia a idéia de que as instituições centrais da sociedade, o Estado e a família tradicional, já não funcionam. Então todo o nosso chão se move ao mesmo tempo. Primeiro, as pessoas pensam que seus governos não as representam e não são confiáveis. Assim, começamos mal. Segundo, pensam que o mercado vai bem para os que ganham e mal para os que perdem. Como a maioria perde, há uma desconfiança do que a lógica pura e dura do mercado possa proporcionar às pessoas. Terceiro, estamos globalizados; isso quer dizer que nosso dinheiro está em algum fluxo global que não controlamos, que a população está submetida a pressões migratórias muito fortes, de modo que é cada vez mais difícil encerrar as pessoas em uma cultura ou em fronteiras nacionais.
EP - Que papel a Internet desempenha nesse processo?Castells - Por um lado, ao nos permitir o acesso a toda a informação, aumenta a incerteza, mas ao mesmo tempo é um instrumento chave para a autonomia das pessoas, e isso é algo que demonstramos pela primeira vez em nossa pesquisa. Quanto mais autônoma é uma pessoa, mais ela utiliza a Internet. Em nosso trabalho definimos seis dimensões de autonomia e comprovamos que quando uma pessoa tem um forte projeto de autonomia, em qualquer dessas dimensões, utiliza a Internet com freqüência e intensidade muito maiores. E o uso da Internet reforça ao mesmo tempo sua autonomia. Mas, é claro, quanto mais uma pessoa controla sua vida menos confia nas instituições.EP - E sua frustração pode ser maior devido à distância que há entre as possibilidades teóricas de participação e as que se exercem na prática, que se limitam a votar a cada quatro anos, não acha?Castells - Sim, há uma enorme defasagem entre a capacidade tecnológica e a cultura política. Muitos municípios implantaram pontos de acesso sem fio, mas se ao mesmo tempo não forem capazes de articular um sistema de participação eles servirão para que as pessoas organizem melhor suas próprias redes, mas não para participar da vida pública. O problema é que o sistema político não está aberto à participação, ao diálogo constante com os cidadãos, à cultura da autonomia, e portanto essas tecnologias só distanciam ainda mais a política dos cidadãos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário