sábado, 2 de maio de 2009

Lygia da Veiga Pereira

A obtenção da primeira linhagem de células-tronco (CTs) embrionárias humanas no Brasil, a BR-1, contribui para o avanço das pesquisas nacionais e nos libera de restrições de importação O ano de 2008 será lembrado como um período de grandes altos e baixos. Deixo os baixos – e que baixos! – por conta da crise deflagrada pelo estouro da bolha de ganância do mercado financeiro – e fico por aqui neste assunto para não correr o risco de falar do que não compreendo bem e, pior, de perder o interesse do leitor.Vamos comemorar os altos, especificamente o “final feliz” da trajetória política e científica das pesquisas com CTs embrionárias humanas no Brasil. Não custa repetir: as embrionárias são o tipo mais versátil de CTs até hoje identificadas em mamíferos, com capacidadede dar origem a qualquer tecido do corpo. Quando transplantadas em animais doentes, essas células são capazes de aliviar os sintomas de diversas doenças, desde Parkinson até diabetes. Porém, como são retiradas de embriões produzidos por fertilização in vitro (FIV), são foco de grande polêmica no mundo todo.Este ano comemoramos o fim dessa polêmica no Brasil – pelo menos do ponto de vista legal. Depois de três anos de análise, a Lei deBiossegurança de 2005, que permite o uso para pesquisa de embriões inviáveis, ou que estejam congelados há pelo menos três anos, foi finalmente consagrada e considerada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Essa decisão não significa que a partir de agora podemos tratar pacientes com as CTs embrionárias – antes de começarmos mesmo os testes clínicos em seres humanos, temos algumas questões fundamentais que devem ser resolvidas para que esses tratamentos sejam seguros. Mas ela deixou de uma vez por todas claro que o Brasil é um país laico, com uma política de desenvolvimento científico moderna, sintonizada com os modelos praticados pelos países mais desenvolvidos. Passamos a integrar o grupo que investe na promessa terapêutica de todos os tipos de CTs, incluindo as embrionárias, composto por Estados Unidos, Reino Unido, França, Israel, Suécia, China, Japão e Austrália, entre outros. Além disso, com o fim do debate legal, mais grupos de pesquisa no Brasil deverão passar a trabalhar também com as CTs embrionárias.
Uma boa notícia leva a outra: logo em seguida, o governo federal anunciou o investimento de mais R$ 21 milhões em pesquisas com CTs, e a criação da Rede Nacional de Terapia Celular, com os objetivos de estruturar o esforço nacional de pesquisa em terapia celular, ampliar a geração de conhecimento por meio de uma maior interação na comunidade científica e qualificar novos profissionais. Essa rede deve criar uma grande sinergia entre os grupos brasileiros, acelerando o ritmo das pesquisas com células-tronco no país.Finalmente, em outubro de 2008, nosso grupo anunciou o estabelecimento da primeira linhagem de CTs embrionárias humanas no Brasil, a BR-1 – ou seja, conseguimos extrair aquelas 50-100 células pluripotentes de um embrião descongelado, cultivá-las e multiplicá-las em milhões de células, que agora podem ser usadas para pesquisa por vários grupos brasileiros. Apesar de não ser inédito no mundo – afinal, as primeiras linhagens de CTs embrionárias humanas surgiram nos Estados Unidos em 1998, esse é um feito de grande importância para o país. Adquirimos autonomia em relação às pesquisas com CTs embrionárias, que antes dependiam do recebimento de células de grupos estrangeiros, amarradas a várias restrições de patentes. Passamos a dominar todos os processos envolvidos no uso terapêutico das CTs embrionárias, desde a retirada daquelas poucas células de um embrião até a transformação dessas células em neurônios capazes de tratar um camundongo com lesão de medula.Mas, e os nossos pacientes? Quando poderão ser tratados com as CTs embrionárias? Por incrível que pareça, apesar dos ótimos resultados terapêuticos dessas células em várias doenças em modelos animais, no mundo todo ninguém recebeu ainda uma injeção de CTs embrionárias. Algumas empresas americanas comunicaram ter desenvolvido tratamentos seguros com essas células e já pediram licença para iniciar testes em seres humanos – provavelmente este ano. Assim, finalmente, saberemos se a promessa terapêutica dessas células se cumpre nos pacientes.Como os leitores podem ver, o que chamei de “final feliz” foi na verdade um começo muito entusiasmado da busca pelo tempo perdido nas pesquisas com CTs embrionárias no país. Com a primeira linhagem brasileira – BR-1 – recuperamos bastante o atraso. Este ano seguiremos neste ritmo, contando com um governo comprometido com políticas bem definidas de prioridades nas pesquisas com células-tronco, unindo forças e criando condições para transformálas numa realidade terapêutica em benefício de toda a população.

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