sábado, 2 de maio de 2009

luc montagnier

– Os casos da doença de Alzheimer aumentaram cinco vezes em cinqüenta anos. Também tem crescido o número de pacientes de alguns tipos de câncer, como os infantis, do cérebro, da mama e da próstata. Por que isso ocorre, quando a medicina registra tantos avanços?Montagnier – Há várias causas conhecidas, como a genética, a alimentação e o modo de vida, aí incluídos o fumo, o álcool e a obesidade. Os próprios diagnósticos ficaram muito mais precisos. Mas devemos nos perguntar se as mudanças ambientais também não seriam uma causa. – Quais são esses fatores ambientais?Montagnier – Há a poluição atmosférica, a queima de combustíveis fósseis, a utilização maciça de inseticidas na agricultura, os dejetos que liberam toxinas, o empobrecimento da comida. Nossa alimentação hoje é talvez menos rica em elementos protetores, como vitaminas – a conservação de legumes e frutas em câmara fria faz com que uma parte das vitaminas se perca. E o nosso sistema imunológico é menos eficiente, justamente por estarmos expostos a todos esses novos fatores ambientais. Portanto, a incidência de câncer pode resultar de uma combinação da ação direta do ambiente e da maior debilidade do sistema imunológico. – Como esses fatores ambientais agem no organismo e qual a relação deles com doenças como o câncer?Montagnier – Todos esses fatores que citei provocam em nossas células o mesmo efeito bioquímico: a formação de radicais livres, moléculas super-reativas derivadas do oxigênio que atacam o DNA, as proteínas, os lipídios. Normalmente essas moléculas são neutralizadas por nossa defesa antioxidante. Mas essa defesa tende a se enfraquecer com a idade ou, às vezes, não vence a quantidade de radicais livres. Quando isso acontece, há um stress oxidativo, que danifica os tecidos e induz a inflamações crônicas, câncer e doenças neurodegenerativas. – Especialistas franceses que preparam o Plano Nacional de Saúde Ambiental afirmam que até 20% dos cânceres seriam provocados por fatores ambientais e cerca de 70% por condutas pessoais, como o tabagismo, o alcoolismo e a má nutrição. Esses números são cientificamente provados?Montagnier – É muito difícil provar, porque o câncer e outras doenças crônicas têm múltiplas causas. Quando existe um fator principal, é possível determiná-lo com um estudo epidemiológico. Estabelece-se uma correlação entre, por exemplo, o aumento do câncer em Chernobyl e o acidente nuclear que aconteceu lá. Mas, se o que existe é uma pequena zona de radiação atômica, não dá para determinar seu papel. A ela podem se juntar a poluição química, uma alimentação menos rica em antioxidantes e pronto: a doença se desenvolve. Neste caso, um estudo não consegue determinar a parcela de cada um dos fatores, só a soma final. E há ainda o aspecto genético: cada pessoa pode ser mais ou menos resistente a todos os fatores mencionados. – O senhor não tem medo de colocar em risco sua reputação profissional ao fazer afirmações que não podem ser cientificamente comprovadas?Montagnier – O papel dos fatores ambientais em doenças humanas não é comprovado por estudos toxicológicos ou epidemiológicos. Mas eles causam o mesmo efeito bioquímico, a formação de radicais livres. Isso sim está provado; há uma quantidade enorme, uns 250 trabalhos, mostrando o papel do stress oxidativo na doença de Parkinson, e mais 1.000 que comprovam os efeitos do stress oxidativo em outras doenças. O dado ainda controvertido é qual a origem do stress oxidativo e como lutar contra ele. Contra o princípio da negação, eu proponho o princípio da precaução.– A ciência vai conseguir provar a relação entre produtos químicos e câncer?Montagnier – Há resultados estatísticos preocupantes, mas que não chegam ao ponto de provocar um alerta geral. Outra abordagem para provar que um elemento é cancerígeno são as experiências em laboratório, em que testamos um produto em células e vemos os efeitos. Mas os efeitos só aparecem quando as doses são muito mais fortes do que as encontradas em seres humanos. Por exemplo, há elementos cancerígenos nos plásticos, mas a indústria afirma que nossos testes não se aplicam em escala humana, porque as doses que entram em contato conosco são muito mais fracas. O problema é que se trata de diversos fatores que se juntam no dia-a-dia e nós estamos cada vez mais expostos a eles.– O senhor recomenda desconfiar até dos estudos que dizem que a exposição a ondas eletromagnéticas, como as da televisão e do telefone celular, não faz mal?Montagnier – Erramos em fazer pouco desse assunto. Eu repito: mesmo que o fator de risco seja fraco, ele se soma a outros. É necessário realizar mais pesquisas sobre os efeitos oxidativos das fontes de ondas eletromagnéticas. É possível comparar, por exemplo, o stress oxidativo médio de um grupo que vive próximo de uma antena e o de outro que mora mais longe. Ainda que os efeitos do stress oxidativo ocorram a longo prazo, a oxidação é quase imediata, e assim se poderia avaliar se há risco. Aliás, acho que todos os fatores que potencialmente podem provocar doenças deveriam ser controlados, em nome da precaução, mesmo que o malefício não esteja cientificamente comprovado.
– Reduzir o uso de celular e televisão por causa do efeito apenas presumido das ondas eletromagnéticas não é uma atitude paranóica?Montagnier – Viver, por definição, é correr riscos. Não vamos nos esquecer de que temos um sistema de defesa contra a oxidação molecular. Fomos biologicamente selecionados para escapar dela. Eu recomendo uma visão moderada, sem ser paralisante. Pegar um avião é arriscado. Mesmo assim viajamos, mas evitamos a companhia aérea que teve quatro ou cinco acidentes no ano. Na vida é igual. Temos de viver tentando correr menos riscos.– Como prevenir o stress oxidativo?Montagnier – Os antioxidantes agem sobre uma cascata de reações químicas e devem ser combinados. Vitaminas não conseguem compensar todos os efeitos oxidantes. Precisamos utilizar melhor os antioxidantes naturais, que nós mesmos fabricamos, como a glutationa, uma substância que tem papel fundamental na neutralização dos radicais livres, mas deixa de ser fabricada em quantidade suficiente a partir de 45, 50 anos. A glutationa que se vende hoje nas farmácias é pouco ativa, por ser modificada, e é oferecida apenas de forma injetável. Produzir glutationa estável e ingerível pela boca pode revolucionar o tratamento antioxidante.– Há outras soluções sendo estudadas?Montagnier – Existe toda uma gama de antioxidantes ainda por ser testada. A natureza nos oferece uma enorme variedade. A ginkgo biloba, uma árvore asiática, produz notável quantidade de antioxidantes. Há muitas plantas amazônicas com a mesma propriedade. Temos de fazer testes clínicos com os extratos de plantas para ver como eles corrigem as carências antioxidantes do organismo. Uma orientação nutricional para que a pessoa coma mais desta fruta ou daquele legume também é importante. Se não for suficiente, recomenda-se a ingestão dos suplementos alimentares.– O senhor realmente acredita que esses suplementos alimentares, vitaminas e minerais em cápsulas ou comprimidos, cujos efeitos foram contestados por especialistas, ajudam a combater males recorrentes da oxidação?Montagnier – Ajudam. Errada, muitas vezes, é a forma como as pessoas os utilizam. Há doses excessivamente fortes, e sabemos que um antioxidante pode ser oxidante em doses muito altas. Não adianta tomar mais do que o necessário. Também existiu muito marketing. E como houve muito fracasso, com pesquisas mostrando sua ineficácia, toda a medicina ortomolecular caiu em descrédito e ganhou má reputação.– O senhor toma vitaminas?Montagnier – Não, mas eu tomo antioxidantes. Tomo glutationa.– Como estão as pesquisas nesse campo?Montagnier – Há algumas, mas não o suficiente. Hoje em dia esse ramo é menos gratificante para os pesquisadores do que a biologia molecular. Estamos assistindo a uma exploração intensa das descobertas da biologia molecular, da genética. A corrida agora é por fazer um inventário das funções dos genes – que seriam 100 000, mas hoje se fala em pouco mais de 20 000 – e conhecer a relação entre um gene e determinada doença. Eu não digo que não se deva estudar isso. É interessante e importante para as doenças de origem genética. Mas esses estudos não trarão solução para as doenças crônicas de que estamos falando, porque elas têm múltiplas causas, entre elas os fatores ambientais.– A indústria farmacêutica direciona a pesquisa científica?Montagnier – Com certeza. Para começar, a indústria farmacêutica é pouco criativa neste momento. Cada empresa quer ficar maior engolindo a outra e não há diversificação. E o que todas querem principalmente é criar um remédio novo que venda mais de 1 bilhão de dólares por ano. Elas produzem alguns, o que é bom, e há medicamentos excelentes. Mas há também fracassos, como o Vioxx. Além disso, os supermedicamentos custam muito caro. Outro perigo é o marketing que cerca o lançamento de novos remédios. Muitos antidepressivos e antiinflamatórios foram impostos pelo marketing.– Mas todos esses medicamentos foram lançados com o respaldo de estudos científicos.Montagnier – Os laboratórios farmacêuticos são de tal forma poderosos que podem comprar os médicos que fazem os estudos clínicos e as autoridades que liberam a comercialização dos medicamentos. Existe uma perversão da pesquisa científica que é preocupante. É preciso um mecanismo de compensação, organismos independentes e gente como eu, com idéias diferentes do conformismo reinante. Não se devem pesquisar apenas os princípios que resultarão em remédios caros. E a medicina também tem de aprender a prevenir. Não só tratar os pacientes graves – é preciso tratá-los, claro –, mas procurar chegar ao menor número possível de pessoas doentes.– Desenvolver uma nova fronteira de pesquisa, de testes, de check-ups em nível molecular não seria encarecer ainda mais a medicina?Montagnier – Há toda uma nova bateria de exames de alto custo, mas que acabam saindo menos caro do que tratar milhões de pessoas nos hospitais com dezenas de medicamentos. Não se trata de aumentar a duração da vida, mas de fazer com que as pessoas cheguem ao fim com o menor número possível de doenças. Todo mundo morre, claro. Mas eu acho que passar quinze anos num asilo com Alzheimer não vale a pena.– Graças, em boa parte, a suas descobertas, a aids teve um desenvolvimento menos assustador do que se previa. Ainda assim, a situação continua trágica, com 40 milhões de adultos e crianças infectados. O senhor está satisfeito com o que a ciência fez contra a aids?Montagnier – Não. A ciência fez muito, mas não o suficiente. Houve a identificação do vírus, o teste de soropositividade, os remédios. Tudo isso permitiu a prevenção, o tratamento. Mas, apesar dos esforços, a epidemia continua. Nós ainda não sabemos de tudo o que precisamos nem sobre o vírus nem sobre a doença.– Chegaremos a uma vacina contra a aids?Montagnier – Espero que sim, mas sou pessimista quanto à vacina que está em desenvolvimento. Ela não vai ser 100% eficiente, pois há formas de vírus ainda não caracterizadas que vão escapar à imunização. Mas nesse caso eu não tenho sido ouvido e não tenho recursos para pôr em prática minhas idéias.– Uma descoberta como a do vírus responsável pela aids não merece o Nobel de Medicina?Montagnier – Não sou a pessoa indicada para responder. A descoberta de um vírus, em si, não merece um Prêmio Nobel, mas, como esta salvou milhares de vidas, talvez merecesse. Como descoberta científica, não foi das maiores, uma vez que não trouxe nenhum conceito novo. Mas teve um impacto importantíssimo.

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