
http://www.ihes.fr/~lafforgue/
O francês Laurent Lafforgue é um dos maiores matemáticos da sua geração. Tem um curriculum científico esmagador: tem dezenas de artigos de referência nos temas mais profundos e abstractos da Matemática actual; resolveu um problema fundamental conhecido como conjectura de Langlands, em aberto desde os anos 60, trabalhando com objectos matemáticos com o exótico nome de Shtukas de Drinfeld.O mérito extraordinário do seu trabalho científico mereceu reconhecimento internacional, com as maiores distinções matemáticas: o Prémio Clay (obtido aos 34 anos!) e a Medalha Fields, a maior distinção mundial na área da Matemática, atribuída, como nos Jogos Olímpicos, apenas de 4 em 4 anos e apenas a matemáticos abaixo dos 40 anos de idade. Lafforgue é membro eleito da Academia das Ciências, director de investigação do CNRS e trabalha no mundialmente famoso IHES. Em suma, é um cientista de primeiríssimo plano em termos mundiais. E ainda não completou 40 anos.Lafforgue é também uma pessoa de uma simpatia desarmante, humanista e de uma cultura geral impressionante, como o autor destas linhas teve oportunidade de apreciar nas conferências que Lafforgue realizou em Lisboa em 2003 (já depois de ser galardoado com a Medalha Fields). Está muito longe do estereótipo do cientista distraído ou do idiot savant.Em Novembro de 2005, Lafforgue foi protagonista involuntário de um verdadeiro escândalo nos meios da Educação em França. Esses acontecimentos foram quase simultâneos com as revoltas nos subúrbios de Paris. Enquanto estes últimos preencheram semanas de noticiários, o caso Lafforgue passava totalmente despercebido em Portugal. Curiosamente, o caso Lafforgue tem provavelmente muito mais relação com a realidade portuguesa de 2006 do que as revoltas suburbanas: é uma manifestação extrema de sintomas idênticos aos que experimentamos em Portugal, sendo uma situação paradigmática. É útil, portanto, pormenorizar a evolução do que se passou com Lafforgue.

É extraordinariamente instrutivo ler o documento de Lafforgue. A sua análise, embora sobre a catástrofe que reina no sistema educativo francês, transpõe-se praticamente ipsis verbis para o caso português. Chega a ser arrepiante a forma tão literal como a sua análise se adapta, o que evidencia estar-se perante um fenómeno global e não local. Em vez de extrair morais desta triste história, o autor destas linhas limitar-se-á, a partir daqui, a citar textualmente Lafforgue. O leitor é cordialmente convidado a extrair as suas conclusões. Lafforgue começa por afirmar que certos pontos da ordem de trabalhos o mergulham no desespero. De facto, “apelar aos especialistas da Educação nacional: Inspecções gerais e direcções da administração central, em particular direcção da avaliação e de prospectiva e direcção do ensino escolar” é exactamente como se formassem um "Conselho Superior para os Direitos do Homem" e se propusessem apelar aos Khmers vermelhos para constituir um grupo de especialistas para a promoção dos direitos humanos.Lafforgue explica-se: depois de um ano e meio a estudar profundamente o estado da Educação em França, chegou à conclusão que o sistema educativo público está em vias de destruição total. Esta destruição é resultado de todas as políticas e todas as reformas levadas a cabo desde o final dos anos 60. Estas políticas foram concebidas e impostas por todas as instâncias da Educação Nacional, de inspectores e administradores às comissões de programas, pedagogos e outros especialistas das chamadas “Ciências da Educação” (aspas de Lafforgue); em suma, a Nomenklatura da Educação Nacional.Estas políticas foram inspiradas por uma ideologia que consiste em passar a não valorizar o conhecimento, associada ao desejo de fazer a escola desempenhar outros papéis que não a instrução e transmissão do saber, à crença em teorias pedagógicas delirantes, ao desprezo das aprendizagens fundamentais, à recusa do ensino construído, explícito e progressivo, à doutrina do aluno “no centro do sistema” que “deve construir ele próprio os seus saberes”.Lafforgue sugere em seguida mais de uma dezena de livros publicados em França nos últimos 3 anos que fornecem um corpus factual para as suas afirmações (aparentemente em França a reacção a estas doutrinas é bem mais enérgica do que entre nós). São, sobretudo, testemunhos de professores no terreno que presenciaram em primeira-mão a catastrófica degradação do sistema de ensino público francês, cujos títulos falam em “Traição às letras”, “O horror pedagógico”, “Os professores acusam”, “Contra os gurus do pedagogicamente correcto”, “Quem teve esta ideia louca de destruir a escola?” ou “A fábrica do cretino: a morte programada da escola”. Para que não houvesse interpretações simplistas de “reaccionarismo”, Lafforgue explicita que o autor deste último livro, Jean-Paul Brigheli, é um professor de letras, de extrema-esquerda, que interpreta a destruição da escola como uma conspiração deliberada das classes dominantes ultra-liberais.Analisando especificamente o estado catastrófico do ensino da língua francesa, Lafforgue fornece um relatório da Associação dos Professores de Letras com base no qual afirma que “os especialistas (ou pretensos especialistas) a quem foi confiada a redacção dos programas de francês são simplesmente loucos furiosos (estou a pesar as palavras)”. E fornece exemplos concretos, verdadeiramente alucinantes e inacreditáveis. Não se apercebendo as instâncias políticas da natureza delirante das propostas, nem dando crédito às reacções dos professores mais conscienciosos, Lafforgue conclui que as instâncias dirigentes do Ministério da Educação estão integralmente povoadas de irresponsáveis (ou criminosos, nos casos em que esta destruição da escola foi deliberada).Lafforgue reconhece que este movimento de degradarão educativa é muito generalizado, fazendo-se sempre em nome do “progresso” e da “modernização”. Existem, contudo, excepções: países que não se deixaram contaminar pela ideologia dominante, como Singapura. Aliás, é interessante constatar que os israelitas determinaram quais os melhores manuais escolares de Matemática no mundo de hoje, chegando à conclusão que eram os de Singapura; e traduziram estes manuais, disponibilizando-os a todas as escolas de Israel.Lafforgue recomenda páginas Web de instituições em quem confia na descrição dos problemas da Educação em Franca, como o GRIP (Groupe de Réflexion Interdisciplinaire sur les Programmes) http://grip.ujf-grenoble.fr/; Sauver Les Lettres (SLL) http://www.sauv.net/; e a Association des Professeurs de Lettres (APL)
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