sábado, 2 de maio de 2009

José da Rocha Carvalheiro

José da Rocha Carvalheiro
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4783145D9
A pesquisa em saúde em São Paulo: situação atual e perspectivas de mudança
http://www.scielo.br/pdf/hcsm/v10s2/a19v10s2.pdf
– Já se discute uma reformulação do SUS, mas alguns pesquisadores dizem que ele ainda não foi implantado efetivamente. Qual é a atual situação desse sistema?José da Rocha Carvalheiro – O SUS é um processo, não uma formulação que emanou verticalmente de um poder central. Ele foi um processo longo e demorado de construção, que vem desde o começo do século passado, mas com atividade mais intensa a partir do meio daquele século. É bom não esquecer que na Assembléia de São Francisco, na Califórnia, em 1945, quando se estava formulando a criação da ONU, as delegações brasileira e chinesa propuseram a OMS. Estavam lá alguns dos grandes ícones da saúde pública brasileira. Nós temos uma tradição de intelectuais que construíram a idéia de uma saúde pública no Brasil e que acabou se refletindo, a partir dos anos 1970, na criação do movimento da reforma sanitária brasileira. Isso tudo foi um movimento que iniciou na academia, mas acabou se expressando no processo de democratização do país.Então, tivemos algumas ocorrências fortuitas, mas que nos beneficiaram. Por exemplo, já no período de abertura democrática aconteceu a realização da 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986. Antes disso, aconteceram ações integradas de saúde, que levaram à inserção, no texto constitucional, de uma proposta extremamente avançada, mas ao mesmo tempo incompleta, mostrando que esse precisa ser, de fato, um processo de aprimoramento contínuo. O Sergio Arouca dizia que o SUS é uma proposta civilizatória, pois pretendia discutir reforma sanitária e propor um sistema dessa natureza com seus pressupostos básicos de integralidade e descentralização. Tal proposta é extremamente avançada, apontando para um objetivo que poderá ser alcançado algum dia, porque o processo é caminhar em direção a ele. No entanto, eu diria que ele está em revisão permanentemente, o que não quer dizer que não tenha havido avanços e consolidações dos quais podemos nos orgulhar.O controle social é um deles: incompleto, imperfeito, criticável na sua composição. Ou seja, o fato de termos um sistema de controle social é um grande avanço. Há um sistema que estabeleceu um processo num nível gerencial de procedimentos de pactuação entre os entes federativos, que são avanços do ponto de vista da concepção de gestão do sistema. Evidentemente que o sistema não é maravilhoso: ele tem mazelas com as quais não podemos concordar. Precisamos lutar para um aprimoramento continuado para que a população não se sinta desassistida, que é o que acontece. Há uma campanha que é feita pelo setor privado, que cresceu vertiginosamente, contra o SUS, mas, do ponto de vista da sua estruturação e de seus aspectos gerenciais, ele é um sucesso num franco processo de aprimoramento.
– Em relação a outros sistemas de saúde, que inovações o SUS traz?José da Rocha Carvalheiro – Eu estive na semana passada em Genebra e numa cidade francesa próximo, e no domingo, esperando uma reunião, passeei por essa cidadezinha e encontrei uma feira livre. Havia uma barraca de ervas. Portanto, o sistema de saúde francês, com toda a sua sofisticação, estruturação, ainda dá margem, como aqui nas nossas feiras livres, para que vendedores se apresentem vendendo ervas contra hipertensão, câimbras etc. Fui caminhando e encontrei uma farmácia de homeopatia que tinha dois cartazes: um vermelho dizia “adoeça agora”, e o verde, “amanhã pode ser tarde, a homeopatia é o caminho”. Isso mostra como praticamente no mundo todo, mesmo em países como a Inglaterra, há uma crítica severa ao sistema que serviu de referência da reforma sanitária brasileira quando formulamos o SUS. A verdade é que os modelos estão todos em crise no mundo inteiro. Eu li num jornal um comentário sobre a eleição nos Estados Unidos e a maneira como os candidatos estão omitindo dados a respeito do sistema de saúde, porque é o único dos grandes países do mundo que não tem um sistema universal de sistema de saúde pública e, portanto, é inteiramente dominado pelos planos de saúde e seguros. Este é um risco com o qual nós precisamos conviver, pois há um sistema paralelo que está se fortalecendo no Brasil cada vez mais em relação ao SUS. Há uma crítica de que o SUS é um sistema único e deveria substituir o sistema privado, que é considerado suplementar, está crescendo em alguns lugares e, por isso, está rivalizando em termos de recursos com o SUS.– De que forma o SUS pode fortalecer as entidades de trabalhadores e iniciar aí uma parceria?José da Rocha Carvalheiro – Esta é uma das discussões do momento. O Conselho Nacional de Saúde, na atualidade, não é mais presidido pelo Ministro da Saúde. Depois do decreto do presidente Lula, de 2006, que revisou o regimento interno da composição do Conselho e retirou do ministro a presidência obrigatória e automática do Conselho Nacional de Saúde, criando uma mesa originando a eleição de um presidente para a entidade. Assim, o atual presidente é um trabalhador da saúde, o Francisco Junior, que é hoje uma das maiores lideranças da saúde brasileira e é um trabalhador da saúde.– E que evoluções o fato de a entidade ter um presidente trabalhador da área da saúde?José da Rocha Carvalheiro – Isso traz uma evolução fantástica, uma perspectiva positiva, mas traz, associado a isso, um risco. A perspectiva positiva é que, na verdade, o executivo deixa de ser o gestor e torna um trabalhador da saúde o condutor do processo de discussão no colegiado que representa o controle social. Portanto, entrega-se de fato o controle social à sociedade. Por outro lado, ao se entregar isto a um trabalhador, o risco é transformar o Conselho Nacional e os Conselhos Estaduais em mesas de negociação de condições de trabalho, níveis salariais. No entanto, há um esforço por parte dos atuais dirigentes do Conselho de evitar que isso aconteça. É uma coisa, aparentemente, contraditória, pois há um grande avanço ao entregar à representação da sociedade o direito de escolher o dirigente máximo do Conselho, que faz o controle social do sistema, o ministro pode ser candidato, ninguém lhe proíbe isto.– O fim da CPMF deu algum impacto no SUS? Qual é a sua opinião sobre o retorno dessa contribuição?José da Rocha Carvalheiro – É evidente que sim. Mas nas origens deveria se destinar esta contribuição exclusivamente à saúde e isso não aconteceu, uma parcela sempre foi utilizada para outros fins. O que se diz é que esta CPMF que está sendo proposta não teria esse risco de ser desviada para outras finalidades. Mas há duas questões: será aprovada? E, se for aprovada, nós da saúde teremos força para impedir que o mesmo ocorra?Neste momento, os que se interessam por criar esta nova contribuição juram “de pé juntos” que esta contribuição não será desviada. Se for aprovada, o futuro é quem vai dizer se será desviada ou não.– Que missão a saúde pública no Brasil tem?José da Rocha Carvalheiro – Ela deixou de ter a missão que lhe era atribuída no começo do século passado e passou a ser responsável apenas pelas ações coletivas. Com a criação do SUS, se fez a integração da assistência médica na rede pública de saúde. Antes desse sistema, as ações coletivas eram feitas com grande externalidade positiva, que dificilmente podem ser comercializadas, como propôs o Banco Mundial, que argumentou, também, que o setor privado deveria se responsabilizar apenas pelas atividades de pequena externalidade positiva, ou seja, eu compro e sou beneficiado e se outra pessoa não compra ela não tem benefício algum. Qual é a grande discussão da atualidade? O SUS incorpora as duas coisas, as ações coletivas de grandes e pequenas externalidades positivas. O risco do crescimento acelerado dos planos e dos seguros de saúde, compondo um sistema paralelo de assistência médica exclusiva, faz com que retornemos a um período anterior ao da Constituição e da lei do SUS, que atribuiu ao sistema essa integralidade. Na atualidade, o SUS responde não apenas pelas ações coletivas, mas também por uma parcela substancial muito grande de ações individuais, em particular as de alta complexidade, que são as mais caras e que o setor privado repassa ao setor público, porque ele não atende transplante, hemodiálise e próteses na quantidade que deveria.

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