sexta-feira, 1 de maio de 2009

Hans-Jörg Rheinberger

Durante muito tempo procurou-se construir modelos de construção do conhecimento científico em que a unidade da ciência era garantida pela hegemonia de uma prática sob outra – o debate sobre a experiência crucial durante o século XX é disso exemplo. Hans-Jörg Rheinberger encontra-se entre aqueles, como Ian Hacking, que defendem que as práticas científicas (teoria, experiência e instrumentalização) devem ser analisadas autonomamente. No entanto, vai mais longe. Ao contrário destes autores não defende a robustez de cada prática. Dentro destas há fracturas demasiado fortes e portanto estas não pode ser objecto de análise quando se quer descrever a construção do conhecimento científico.Rheinberger elege como campo de reflexão a microdinâmica da actividade científica e como unidades de reflexão os sistemas experimentais (recorrendo à gíria dos investigadores) – ou seja, “unidades funcionais de actividade científica”. Estes sistemas experimentais de Rheinberger são portanto sub-categorias dentro da prática experimental. Se Hacking defende diferentes critérios de auto-justificação para a experiência e para a teoria (o que historicamente resultou na emancipação de uma “epistemologia da experiência”), Rheinberger defende agora a pluralidade desses critérios dentro da própria prática experimental. Ou seja, a “vida própria” que Hacking atribui à experiência, Rheinberger concebe-a aos “sistemas experimentais”, sendo estes os que obedecem a um “tempo interno”(1999: 419).
A actividade científica é assim vista como uma “rede ecológica”, uma “assembleia”, de sistemas experimentais que se relacionam entre si (note-se uma espécie de ethos democrático, comum em Polanyi, Latour, Stengers…). Segundo Rheinberger, este campo epistémico não é permeável a qualquer “tema geral” ou “paradigma”. “Não existe nenhum enquadramento global, de teoria, poder político ou contexto social suficientemente forte para penetrar e coordenar estes sistemas bifurcados e em fusão” (Rheinberger, 1999:419). Trata-se de uma tomada de posição radical em relação à autonomia da actividade científica, aproximando-se do discurso canónico dos cientistas. É como se o programa pós-kuhniano tivesse sacrificado a autonomia para garantir a sua unidade, e em Rheinberger o contrário: a actividade científica, ainda que ao nível das micro-dinâmicas, é um “intocável”.As condições do sistema experimental são, por um lado, produzir com estabilidade aquilo que Rheinberger designa por “ciclos de realização” ou de “reprodutibilidade”, e, por outro, dispor de um dispositivo suficientemente “lasso” para permitir a intrusão do “imprevisível”, do “desconhecido”, do “impreciso”. Esta segunda condição não só é suficiente como necessária: “O objectivo do processo de investigação é produzir resultados que por definição não podem ser nessa direcção. O desconhecido é qualquer coisa que não pode ser alcançado frontalmente precisamente porque não se sabe o que está para ser alcançado” (1999:420). E, no entanto, Rheinberger obstina-se por essa “epistemologia do impreciso” (Falk, 2000: 341-342). “Na vida de todos os dias e em quase todos os nossos contextos sociais esta é uma situação [a intrusão do impreciso] que tentamos evitar como se tratasse de uma inconveniência. Dentro do contexto da investigação é uma situação que tem de ser activamente promovida” (1999:420).

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