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As ciências sociais vão bem?Elisa Reis — Tentarei responder de forma bastante esquemática, já que seria mesmo impossível contemplar todas as nuances pertinentes. Assim, vou me limitar a três observações. A primeira delas tem sinal positivo. Eu diria que sim, as ciências sociais vão bem no Brasil e no mundo, se o critério de avaliação for a magnitude e a urgência das questões com que elas se defrontam no presente. Em certo sentido essa afirmação não passa de um lugar comum, já que as ciências sociais, desde sua constituição, sempre se viram às voltas com problemas urgentes, situações de crise etc. No entanto, gostaria de ressaltar que a grande perplexidade do momento é acrescida pelo fato de que muitos dos termos, dos conceitos fundantes das ciências sociais, perderam sua centralidade ou passaram a competir com uma série de outros na estruturação das próprias disciplinas. Assim, assistimos a uma grande disputa no interior dessas ciências, disputa essa que é tanto intelectual quanto institucional. Na minha opinião, essa própria disputa deve ser vista como indicativa da vitalidade das ciências sociais.A segunda observação diz respeito às ciências sociais no Brasil, especificamente. Eu diria que sim, elas vão bem se levarmos em conta que somos um corpo de profissionais que cresceu muito nos últimos 20 anos; que formamos cada vez mais mestres e doutores; que publicamos muito mais, e que nos tornamos uma comunidade científica mais complexa, mais diversificada, mais plural.A terceira e última observação também é restrita ao contexto nacional, mas agora com sinal negativo. Eu diria que em virtude da situação peculiar que a universidade brasileira vive hoje, há razões para preocupação e incerteza. Dados os constrangimentos internos e externos com que se deparam nossas estruturas acadêmicas, é possível que a formação de novas gerações de cientistas sociais se veja seriamente comprometida.O desenvolvimento da pós-graduação e da pesquisa em ciências sociais ?Elisa Reis — Talvez eu possa partir da observação informal que foi feita de que Fábio e eu "invadimos" um pouco o terreno um do outro, com observações sobre a Sociologia no caso dele e sobre a Ciência Política no meu caso. É que nós dois somos de uma geração em que a distinção entre estas disciplinas era ainda muito tênue. Eu acho que, ao longo desses 20 anos de Anpocs, houve uma diferenciação notável, um descolamento progressivo das duas disciplinas. Se pensarmos na origem da Anpocs, era muito mais difícil diferenciar as duas comunidades do que é hoje. Hoje em dia já existe uma diferenciação institucional mesma. Essa pode ser evidenciada na definição dos programas de pós-graduação, nas linhas de pesquisa, na bibliografia das publicações de uma ou outra dessas disciplinas, coisa que não acontecia antes.Creio que a separação entre as disciplinas sociais — as três que a Anpocs contempla — é fruto da institucionalização profissional. Quanto mais se institucionaliza a profissão, mais fácil torna-se identificar as diferenças entre as disciplinas. No caso dos Estados Unidos e da Europa, ninguém tem dúvidas quanto à identidade distintiva de cada uma delas. Aqui ainda temos vestígios de sobreposição entre a Sociologia e a Ciência Política. De qualquer forma, a maturidade do sistema de pós-graduação a que assistimos ao longo do período sobre o qual estamos falando sugere claramente uma separação maior entre as duas disciplinas.Já em relação à Antropologia, eu penso que ela sempre teve uma especificidade maior, por razões histórico-institucionais do Brasil. A Antropologia e a Sociologia são mais ou menos contemporâneas nos nossos programas acadêmicos, ao passo que a Ciência Política, como disciplina, aparece muito mais tarde. Por isso ela foi tão tributária da Sociologia.É importante salientar que a simbiose tradicional entre a Sociologia e a Ciência Política expressa também, de fato, uma comunalidade de interesses de pesquisa. Isso é, embora a Sociologia seja, de uma certa forma, vista como a mãe de todas as ciências sociais, a verdade é que a Sociologia brasileira no passado era mais politizada do que é hoje. O predomínio da Sociologia Política no passado era muito grande. Hoje, até porque se criou um canal específico para os estudos sobre a política, a Sociologia não é mais tão marcadamente uma Sociologia Política como ela era. É claro que tudo isso precisa ser visto sem exageros. Sempre tivemos cientistas sociais mais afinados com a análise política e creio que sempre teremos pessoas, como o Fábio Wanderley e como eu mesma, que ainda estão muito dentro do recorte da Sociologia Política.Em resumo, o quadro que comentei é parte da história das ciências sociais no Brasil, e ao longos dos últimos 20 anos a Anpocs foi um agente importante nessa progressiva institucionalização da autonomia disciplinar. Restaria comentar ainda o movimento inverso de implosão das fronteiras disciplinares, movimento que é tão acentuado hoje. Mas, para não me alongar demasiado, eu diria apenas que podemos ver esse processo como a gestação de novas especializações disciplinares.Ao longo dos últimos 20 anos caminhamos muito, consolidamos muita coisa. Lutamos juntos contra muita coisa e, nesse momento, o quadro se alterou. Quer dizer, não há dúvidas de que temos algumas dificuldades em comum, mas não temos mais um grande inimigo comum. Esse é um primeiro aspecto do impacto da democratização nas próprias instituições das ciências sociais. Um outro aspecto importante é que temos muito mais instituições e pesquisadores competindo por recursos. Como não houve uma ampliação tão significativa dos recursos, somos mais atores competindo pelos recursos disponíveis. Assim, o que às vezes parece desestruturação é, de fato, uma saudável vitalidade da comunidade. Acho que parece desestruturação pelo próprio fato de que estávamos muito "estabelecidos" como instituições. Vivemos um processo de crescimento, maturação, consolidação. Grande parte dos programas de ensino e pesquisa podiam se dizer consolidados, e aí começaram a surgir novos atores na arena. Durante algum tempo fomos um número fixo de parceiros. Claro que houve sempre crescimento, ampliação, mas, de uma certa forma, o jogo se consolidou com um número determinado de parceiros. A entrada de novos competidores desestabiliza o jogo, o que não quer dizer que quem estava jogando antes vai necessariamente perder. O fato é que as regras são mais ou menos as mesmas, mas as mesmas regras com um número maior de competidores geram resultados diferentes.A verdade é que quanto mais bem institucionalizado está o sistema de pós-graduação e pesquisa, mais a entrada de novos competidores e a introdução de inovações no sistema vão provocar desconforto para atores já consolidados. Eu acho que nos compete ter lucidez para entender que continuamos sendo jogadores aptos, que o jogo vai continuar.


gênero. Outra temática incentivada nessa mesma época foi a da saúde.É preciso lembrar também que, lamentavelmente, alguns temas perderam espaço na investigação sociológica. Por exemplo, os estudos sobre estratificação e mobilidade social, tema clássico na Sociologia, e que no Brasil tinha uma certa tradição. A área foi perdendo espaço. Existem honrosas exceções, mas hoje pouca gente trabalha com esse tema na comunidade dos sociólogos. Considerando que contamos, no Brasil, com uma fonte de informação sistemática excelente que é a PNAD, é pena que não a utilizemos mais intensamente.Acho que o declínio dos estudos quantitativos tem um pouco a ver com isso. Hoje em dia temos muito mais ensaios sociológicos. Há mais trabalho de tipo artesanal. E estudar estratificação social dessa perspectiva é, de fato, impossível. Este é um aspecto que acho muito importante. Acho que a idéia de trabalho de equipe se perdeu um pouco, muito em função de adversidades no que diz respeito ao financiamento de pesquisas, mas também por uma inclinação nossa. Quer dizer, de certa forma, nós temos uma tradição ensaísta que sobre vive. Redefinida, modernizada, dialogando com a bibliografia do presente, mas um certo ensaísmo que é quase uma marca registrada nossa. Acho que isso é bom por um lado, porque permite muita originalidade, mas, por outro lado, deixa lacunas.Seja como for, é importante lembrar que, do ponto de vista da definição temática, as influências são mais claras no caso do financiamento externo. As fundações e instituições estrangeiras que financiam pesquisa dizem à sua clientela brasileira quais são os temas que lhes interessam. Nem sempre há uma opção tão estreita por tal ou tal tema, mas há uma definição de parâmetros. Enfim, elas dizem que tipo de estudo lhes interessa financiar, o que é perfeitamente legítimo.No que diz respeito às instituições nacionais não se dá o mesmo. Ressalvadas definições muito genéricas de temas prioritários, não há uma definição de linhas de pesquisa "financiáveis".
Impactos das ciências sociais na sociedade nacional ?Elisa Reis — Quanto a esse aspecto, gostaria de salientar sobretudo a questão da relevância política e da relação com a democratização. Creio que essa é uma característica marcante da ciência social brasileira: estamos o tempo todo desempenhando alguma missão nacional. É assim que tendemos a ver nosso exercício profissional. Pessoalmente, valorizo isso. Certamente porque estou inserida nessa cultura. Acho que se há uma coisa que nos une, que realmente faz de nós uma comunidade de cientistas sociais no Brasil, um dos aspectos mais fortes da nossa prática, é essa forte identificação que temos com a causa nacional. O que é curioso, já que muitos de nós estamos estudando o declínio do nacionalismo. E, de fato, a idéia do nacionalismo já perdeu muito espaço. Mas, até mesmo como categoria social, como intelectuais, continuamos, de uma certa forma, pensando em nossa missão nacional, em nossa obrigação diante da sociedade brasileira. Que contribuição podemos dar? Talvez eu me engane, mas na interação com colegas estrangeiros e na experiência de ensinar fora do Brasil, acho que essa dimensão é muito mais presente para os cientistas sociais brasileiros do que para muitos outros.Principais problemas e perspectivas das ciências sociais brasileiras?Elisa Reis — Creio que nas observações anteriores já me detive na consideração de nossos problemas e nossas perspectivas. Gostaria apenas de voltar às minhas observações iniciais quanto à perplexidade radical que vivem hoje as ciências sociais em geral e a Sociologia em particular. Quando nossos conceitos fundantes não cumprem mais o papel de estruturar nosso pensamento, ou quando só ainda o fazem de forma muito segmentada, é sinal de que a confusão está instalada. Perceber essa confusão de forma positiva ou negativa é, em grande parte, uma opção epistemológica. De minha parte, faço a aposta tradicional no potencial revitalizante da crise.Gostaria apenas de concluir enfatizando que os 20 anos de Anpocs são parte de uma história de muitos desafios, muita ousadia e muita criatividade nas ciências sociais brasileiras.
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