sexta-feira, 1 de maio de 2009

Edward O. Wilson

Mais da metade da população dos EE UU não crê na teoria da evolução. Seria um fenômeno peculiar deste país? Para 51% dos estadunidenses, a espécie humana foi criada por uma força suprema faz alguns milhares de anos. 34% crêem que houve uma evolução dirigida por Deus. Os 15% restantes dizem que têm razão os cientistas. São cifras extraordinárias, porque representam todo o contrário do que pensam os europeus. Na Europa, 40% da população estão de acordo com a tese de que as espécies evoluiram por seleção natural. Somente uma minoria coincide com os criacionistas, que rechaçam a teoria da evolução. Qual é o motivo para que o criacionismo tenha tanto vigor nos EE UU, até o ponto de certas pessoas estarem pensando em ensiná-lo em algumas escolas, em oposição à teoria da evolução das espécies? Várias organizações religiosas conseguiram introduzir no Governo a teoria do desenho inteligente. Quer dizer, que Deus dirigiu a evolução. Sem dúvida, o fato de termos um presidente como Bush, o qual crê que Deus fala com ele quando toma certas decisões ou empreende uma guerra, facilita esta tendência e reforça as convicções fundamentalistas mais radicais da população. A esta situação é preciso acrescentar que, após os atentados do 11-S, os estadunidenses se sentiam vulneráveis e se aferraram à idéia de que o país necessitava guiar-se mais pela religião. Em meu próximo livro, A criação, faço um pedido às pessoas religiosas. Peço-lhes que deixem de lado suas diferenças com os leigos e com os cientistas materialistas como eu e que se unam a nós para salvar o planeta. A ciência e a religião são as duas forças mais poderosas do mundo. A natureza é sagrada para ambos. Você sustenta que há uma relação direta entre a seleção natural e o sentimento religioso. Qual é esta relação? A religião está sempre dizendo ao povo que sobreviva, e este é um princípio básico da seleção natural. A religião estimula a mente e anima o ser humano a superar as dificuldades, a unir-se a outros indivíduos e comportar-se de forma altruísta pelo bem do grupo. Seu propósito é a sobrevivência coletiva. Por isso as religiões são tão tribais.
Em que se equivoca a teoria do desenho inteligente, a idéia de que a complexidade dos organismos vivos é a melhor prova da existência de um desenhista divino? O único argumento dos que defendem o conceito de desenho inteligente é que a ciência não pode explicar todos os detalhes da evolução e dos fenômenos naturais. Isso lhes basta para justificar a fé numa força sobrenatural na origem do inexplicável. Mas, este não é um argumento científico. O que move os cientistas é precisamente o desejo de descobrir a verdade sobre o que ainda está sem explicação. Ao assumir a crença de que a evolução é criação de Deus, a religião põe em perigo toda a sua credibilidade e todo o seu prestígio. Se os que defendem o desenho inteligente tivessem provas sobre a existência de forças sobrenaturais nos processos físicos e biológicos, os cientistas seriam os primeiros dispostos a estudarem tais fenômenos. É possível aceitar a teoria da evolução e, ao mesmo tempo, ser religioso? Sim, sem dúvida. Eu mesmo me considero espiritualista. Creio na grande força do espírito humano. Porém, não creio que haja vida depois da morte, nem uma alma separada do corpo e da mente. Sabemos que o cérebro se comporta de maneira distinta quando se produzem mudanças químicas no corpo ou quando nos ferimos, e isso indica que a ciência humana depende de um complexo sistema de células. Não há nenhuma incoerência em pensar que os sentimentos têm uma base física e, ao mesmo tempo, ter uma concepção espiritual da mente humana. Consolá-lo-ia saber que existe vida depois da morte? Pense no que significa passar toda a eternidade no céu. Não somos feitos para isso. A mente humana está construída para durar um tempo limitado. Ultrapassar este limite significaria atar a pessoa a uma existência infernal. Uma sondagem realizada entre os cientistas mais importantes dos EUA mostrou que a 85% não lhes importava que houvesse, ou não, vida depois da morte. Para mim vale o mesmo. Em certa ocasião disse que se considerava um deísta provisional. O que quer dizer?
Em primeiro lugar, é preciso definir teísmo e deísmo. Teísmo é a crença que Deus intervém nos assuntos humanos, é capaz de fazer milagres e está diretamente unido ao discurso humano. Os deístas, ao contrário, aceitam a possibilidade de que exista uma força suprema que estabeleceu as leis responsáveis pela criação do universo, porém não crêem que Deus intervenha nos problemas cotidianos. Enquanto não pudermos dar uma explicação melhor sobre a origem do universo, eu me considero um deísta provisional. Talvez os físicos possam em breve explicar de onde viemos. Muitos críticos afirmam que a ciência é uma espécie de religião e que a teoria da evolução exige devoção. Está de acordo com isso? Não. Há uma grande diferença. A religião exige fé, uma fé sem vacilações. A ciência se baseia numa série de conhecimentos acumulados e vai somando cada vez mais informação para explicar o mundo. É um processo de busca, exploração e descobrimento, totalmente distinto da religião. Crê que há progresso na evolução? Sim, porque, ao longo de milhares de milhões de anos, a evolução produziu espécies cada vez mais complexas, maior número de organismos e ecossistemas mais elaborados. Pois bem, se nos fixarmos em exemplos isolados, a evolução nem sempre significa progresso. No final das contas, é o resultado de mutações e mudanças genéticas fortuitas. Existem casos de parasitos que perderam os olhos e de animais que perderam as patas. Se a complexidade é progresso, essas espécies retrocederam. O fato de os humanos terem evoluído até o ponto de controlar a natureza nos dá o direito de fazer o que quisermos com as demais espécies? A espécie humana é a mais sagrada do planeta. Tudo somado, ela é a mais inteligente e a única civilizada. Nas primeiras etapas de nossa evolução, quando os humanos viviam da caça, em grupos, era preciso vencer a natureza, porque era questão de sobrevivência. Hoje, destruir a natureza significa destruir parte da vida que continua na Terra. Temos que saber quando parar. Estamos destruindo a natureza somente para fazer um pouco mais de lugar aos seres humanos. Isso não é progresso, nem do ponto de vista moral, nem como opção para garantir o futuro da humanidade. Necessitamos da natureza para garantir a produtividade na biosfera. A espécie humana teve demasiado êxito. Um estudo da ONU calculava que em 2050 a população alcançará sua cifra máxima, de nove bilhões de pessoas, e logo se estabilizará. Como podemos melhor a situação econômica de tanta gente e, ao mesmo tempo, evitar a destruição da natureza? Quase todos os especialistas crêem que os recursos existentes na Terra poderiam suportar essa superpopulação, sem que isso suponha destruir a natureza. É necessário aumentar a produtividade do solo, e para isso devemos usar sementes transgênicas. A espécie humana não depende mais do que de 20 tipos de plantas para alimentar-se. As principais são: arroz, milho e trigo. Sem embargo, existem mais de 50.000 plantas cultiváveis, muitas das quais podem ser viáveis do ponto de vista econômico, caso se modifiquem geneticamente. Se soubermos conservar o que resta da natureza e fazer com que ela seja mais produtiva, poderemos alimentar essas pessoas que se prevêem para 2050. Por que é tão urgente preservar a biodiversidade? Um cálculo feito em 1997 por biólogos e economistas demonstrava que as espécies de todos os ecossistemas representavam 30 bilhões de dólares em serviços, como retenção de águas, regeneração do solo e limpeza da atmosfera. Nesse momento, esta cifra estava próxima à do valor de toda a produção humana. Dependemos da biodiversidade, mais do que imaginamos. Outro aspecto é que estamos começando a saber de que modo diversas espécies, que apareceram faz um milhão de anos, se extinguiram e foram substituídas por outras. É importante que compreendamos a origem da vida. Necessitamos conhecê-la. Os cientistas não identificaram mais do que 10% dos organismos que existem no planeta. Alguns cientistas dizem que a espécie humana está experimentando uma evolução acelerada. Sua teoria é de que a humanidade está começando a determinar sua própria evolução. Está de acordo? Sim, em meu livro chamo este fenômeno de evolução voluntária. Estamos a ponto de alcançar uma etapa do desenvolvimento na qual poderemos escolher a trajetória de nossa evolução. Logo poderemos eliminar enfermidades genéticas como a fibrose, apenas substituindo os genes defeituosos. Esta é uma forma de dirigir a evolução. A dúvida é se deveríamos permitir-nos utilizar a engenharia genética para melhorar os indivíduos. Em alguns casos, os pais poderão decidir se querem que seu filho seja desportista ou músico. Deveríamos permiti-lo? É uma pergunta ética que ainda não foi analisada com detalhes, simplesmente porque ainda não nos enfrentamos com os problemas associados a essas possibilidades tecnológicas. Num momento dado a humanidade terá que tomar decisões a respeito, e então teremos uma evolução voluntária. Teremos que ser muito cuidadosos ao modificar a natureza, porque a natureza é o que nos faz ser humanos. Onde está o limite? Não sei. Necessitamos saber mais de genética, de quem nós somos, o que é a natureza humana e quais são as conseqüências dessas mudanças na organização de nossa sociedade atual.

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