sábado, 2 de maio de 2009

chintamani rao

Qual a importância, no cenário mundial,da cooperação entre nações do hemisfério Sul estabelecida e apoiada pela Academia de Ciências do Terceiro Mundo?A cooperação Sul-Sul merece crédito e é relevanteporque as populações dos diferentes países do hemisfério Sul têm um ‘pano de fundo’ muito similar,problemas muito semelhantes. São muitas as áreas nas quais podemos trabalhar juntos, por exemplo,as da energia e do desenvolvimento em tecnologia,como a nanotecnologia. Treinamento e intercâmbio de pessoal na área científica entre países do Sul podem ser muito úteis, porque se criaria um ciclo no qual não haveria ‘perda de cérebros’ para os paísesjá desenvolvidos. Além disso, acredito que é muito difícil que os Estados Unidos, por exemplo, venham a trabalhar conosco tão facilmente.Como o senhor vê essa participação de países do Norte em projetos de cooperação científica com o Sul?Bem, eles sempre cooperaram, não posso dizer que não. Mas penso também que eles sempre tiveram grandes vantagens. Os países do Sul, na verdade,contribuíram muito para o avanço da tecnologia nos países desenvolvidos. Por exemplo, alta porcenta-gem dos profissionais que trabalham nos Estados Unidos é de países do Sul; metade dos trabalhadores da indústria de computadores norte-americana é indiana 50%! E as previsões apontam que talvez 50% dos doutorandos venham de países como China,Índia, Vietnã, entre outros. Isso é uma perda para nós. Esses profissionais, muitos dos nossos melhores cérebros, pessoas brilhantes,estão trabalhando, por exemplo,na indústria de computação norte-americana. Então, os países do Norte ajudam, mas também ganham muito. Há pessoas que afirmam que nós, dos países pobres, demos mais ao Norte desenvolvido do que o Norte deu ao Sul. Se calcularmos em dólares todos os cérebros que demos a eles,com certeza serão bilhões e bilhões.
Diante desse quadro, que tipo de iniciativa deve ser tomada para que os pesquisadores permaneçam nos países do Sul?Bem, temos de oferecer condições de trabalho muito boas. O Brasil é bom, mas muitos dos países do Sul não têm instituições boas o bastante, onde os pesquisadores possam trabalhar. Devemos melhorar a infra-estrutura, devemos construir boas instituições em todos os países do Sul, para que os cientistas possam deixar sua contribuição em suas nações de origem.E o senhor acredita que a TWASencoraja essa atitude?Claro. A TWAS encoraja, mas existem também muitos outros programas que o fazem, como o Instituto Millenium [organização sem fins lucrativos sediada nos Estados Unidos], que atua no Brasil com atividades similares. Temos de criar institutos avançados em muitas partes do mundo para que os pesquisadores tenham para onde voltar. Caso contrário, pensarão “o que eu farei quando voltar ao meu país?” e ficarão nos Estados Unidos ou na Europa. Não deve ser assim. Muitos países na África, como Tanzânia e Senegal, estão criando suas próprias academias de ciência. Nós esperamos que outros países também ofaçam. É também uma forma de incentivar a pesquisa local. Ambas as iniciativas precisam ser postas em prática, a criação de academias e de institutos de pesquisa.O senhor acha que as diferenças científicas entre os países do Norte e do Sul podem ser superadas?Isso ainda vai levar um pouco de tempo; a distância ainda é muito grande. Os Estados Unidos contribuem, por exemplo, em muitos aspectos da ciência, com uma porcentagem muito alta de trabalhos atualmente quase 50% da ciência mundial. Brasil e Índia contribuem com cerca de 3% e 4% cada, a China com um pouco mais. Temos de aumentar nossa participação de muitas formas: a quantidade de ciência produzida deve aumentar, mas também a qualidade, o impacto de nossa pesquisa. A porcentagem de publicações de alta qualidade no Brasil,por exemplo, é hoje de cerca de 1%, na Índia é similar. Mas temos de chegar a 10%, 15%, e isso deve levar ainda outros 15 anos.E como podemos fazer isso?Temos que melhorar. Mais jovens devem ser encora-jados a abraçar a ciência, os nossos melhores jovens devem estar nas áreas científicas. Devem ser estimulados e nós, pesquisadores mais experientes,devemos aumentar nossa qualidade. Esse aumento de qualidade depende muito dos pesquisadores,de pessoas como eu. Se eu não almejar o mais alto nível científico, os jovens que eu treino também não irão fazê-lo. Então, nós temos que olhar para a cultura. As pessoas não querem competir em nossos países, elas preferem ir à praia, jogar vôlei, ter um dia tranqüilo... Isso é bom! Mas elas também devem ser muito competitivas em ciência, é esse o espírito que temos de cultivar. Trata-se de um novo tipo de cultura: o da competência.Quais temas o senhor vê como prioritários nos próximos anos para que os países do Sul alcancem o desenvolvimento sustentável?Maior qualidade na saúde e na educação traria grandes melhoras para o mundo em desenvolvimento.Devemos trabalhar principalmente nos países africanos, buscar melhorar a qualidade de vida naquele continente, que enfrenta problemas muito sérios como, por exemplo, a Aids. Em alguns países da África, 50% das pessoas estão infectadas com o vírus da Aids. E países como Índia e Brasil têm muito a oferecer aos africanos. Precisamos de uma grande ajuda internacional para a África. Esse é um aspectoque deve ser visto antes de qualquer coisa. Em segundo lugar, todos os países têm de investir mais em educação. Investimentos em educação e em ciência são muito, muito pequenos nos países do Sul.Precisamos, de alguma maneira, ver todos os países do Sul investindo em educação, ciência e saúde.O senhor considera que a entrega do primeiro prêmio Rao [outorgado a cada dois anos pela Universidade do Estado da Pennsylvania a pesquisadores estrangeiros da área de estatística] a africanos vá contribuir para uma melhora nos países daquele continente?Claro! Nós demos o prêmio a africanos intencionalmente. Acredite ou não, no ano passado eu ganheium prêmio muito grande, de US$ 1 milhão, o Dan David, parecido, em valores, com o prêmio Nobel. E minha mulher disse: “Por que não damos 50% desse prêmio para a educação?” Então, estabelecemos o prêmio Rao para pesquisadores de qualidade vindos dos países menos de-senvolvidos, não para pessoas do Brasil ou da Índia,mas sim dos 43 países mais pobres. Essa é a idéia.E acho que é muito importante que existam iniciativas desse tipo, como os prêmios da TWAS, para encorajar as pessoas.Esses prêmios aumentam sua auto-estima?Sim. A auto-estima e a motivação. As pessoas sabem que tem alguém olhando por elas e é muito importante ter esse tipo de pensamento, de sentimento.Do contrário, elas se sentem ignoradas, como órfãs,e ninguém gosta disso. É muito importante que elas se sintam necessárias, queridas. O senhor acha que a escolha do matemático brasileiro Jacob Palis para a presidência da TWAS muda de alguma maneira a direção, os rumos da academia? Jacob trabalhou muito próximo a mim, ele foi secretário-geral na minha gestão, por isso decidimos muitas políticas juntos. Acho que o maisimportante para nós e para a nossa academia é dar continuidade às muitas coisas que começamos nos últimos três, quatro anos. Obviamente esse é o melhor investimento. Te-nho certeza de que Jacob vai darcontinuidade aos nossos objetivos, a nossas metas,porque ele mostrou interesse em seguir nessa direção. Todos vamos trabalhar juntos com ele. Estoumuito feliz que ele seja o novo presidente da TWAS:é uma pessoa muito boa, além de ser um grandeamigo.

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