quinta-feira, 28 de maio de 2009

brigitte riebe

- Confronto e sedução. Sahti e Kamés vêm de duas diferentes culturas com diferentes deuses e crenças. O que os liga, o que os separa ?Brigittte Riebe - Sahti e Kamés derivam de culturas diferentes mas são ambos filhos do Nilo. O grande rio é “mãe” quer do Kuch [Núbia] quer do Kemet [Egipto]. Para além disso são personagens com muita paixão, empatia, e solitários - até que se encontram um ao outro. Kamés é contudo um rei e Sahti é uma rapariga simples, sem grande educação, num país estrangeiro. É por isso que ela não consegue perceber as suas reacções o que acaba por criar alguns conflitos entre eles.- Porque decidiu retratar a dinastia Ahmeside, que elege a Lua, Iach, como deus protector ? Porquê este faraó em específico ? BR - A era dos Hicsos é uma das mais interessantes na história do Egipto. Foi um período de grandes mudanças, um tempo de abertura do Kemet que nessa altura vivia uma influência estrangeira que se faria sentir durante séculos. As pessoas tinham então de reflectir sobre essa noção de “estranho”. Sahti é precisamente uma dessas “estrangeiras” vindas do Sul. Por outro lado queria dar a conhecer Kamés, um faraó de quem sabemos muito pouco.- E como começou o romance, por uma personagem, por uma ideia ?BR - Começo sempre pelo título. Nunca altero os meus títulos, caso contrário teria de alterar toda a história. Há muito que me revolvia a forma como a história do Kemet é contada, privilegiando as influências do Norte sobre o Sul e não vice-versa. O Nilo é um rio africano e a história do Kemet é uma história africana.
- Kuch é a terra do ouro, o Egipto a terra do rio. Em que medida a dureza do deserto e a fertilidade do Nilo criam diferentes deuses ? Se em Sahti vive Apedemak, o Deus-leão, que força domina Kamés ?BR - Enquanto crescem, quer Sahti, quer Kamés, convivem com diferentes deuses que os influenciam de diferentes formas. Apesar de mais tarde também Sahti contactar, através da madrasta, com os deuses egípcios, ela mantém o Deus-leão no seu coração. Kamés é um verdadeiro filho do Kemet. Para ele são os deuses do Egipto que comandam o mundo. Ainda assim é aquela rapariga do Kuch, tão diferente das mulheres que conhecera, que o fascina.- «As pessoas que nascem no deserto nunca perdem o hábito de dirigir o olhar para a distância», afirma Kamés. O que quer ele dizer com esse olhar o remoto ?BR - O deserto é o mestre de Kamés. Ele gosta da sua pureza, da sua força, da sua claridade. No deserto não existem mentiras, apenas a verdade. É o deserto que o ajuda a encontrar-se consigo mesmo e que o ajudará a aproximar-se de Sahti, a rapariga que veio do deserto.- Ao optar pela escrita de um romance histórico sente-se uma historiadora ou uma contadora de histórias ?BR - Desde pequena que conto histórias. Provavelmente, numa outra cultura, sentar-me-ia, num mercado a contar histórias... Gosto de estudar, mas não gosto da forma científica como se conta a História - sempre tão fria e aborrecida. A quem consegue afinal essa história tocar ? Quando as pessoas regressam a casa do trabalho não querem ler textos enfadonhos, mas muitos querem saber mais sobre o passado pelo que tento contá-lo de uma forma atraente.- Que tipo de pesquisa fez para este livro ?BR -Aprofundo sempre muito as minhas pesquisas. Sou uma leitora veloz pelo que para este romance li mais de quatrocentos livros e revistas. Tive ainda a ajuda de um talentoso estudante de egiptologia e visitei o Egipto seis vezes. Preparo-me aliás para lá voltar no Outono. O Egipto é um dos meus países favoritos - não existe lugar nenhum no mundo onde a lua seja tão bonita !Na negra casa de Ut, o embalsamador, descreve, em rigor, o remover de órgãos, a secagem e limpeza do corpo e o deixar de uma espécie cápsula. Cápsula da alma ?BR - A resposta é simples: só um corpo intacto permitia a passagem para a outra vida. Daí o cuidado na preparação das múmias.- Foca ainda o tema da mutilação feminina, a que Sahti consegue escapar. Pretendia localizar a origem desse ritual de “corte” ou foi uma prática com que se deparou durante as suas pesquisas ?
BR - Todos nós deveríamos lutar contra a mutilação feminina que continua a ser praticada em muitos países e que afecta, ainda hoje, cerca de cento e trinta milhões de mulheres. Pretendia expor a atmosfera que rodeia o ritual de excisão assim como o medo da rapariga que tem de o suportar - e o medo da irmã, Sahti, que tem de assistir.- Com «A Escrava Negra do Nilo» recua milhares de anos para encontrar amor, traição paixão, ambição, amizade. Uma tão longínqua viagem no tempo para retratar sentimentos tão próximos ?BR - Será que a humanidade muda realmente ? Eu penso que não. Por isso o amor, a traição, a paixão e a ambição permanecem tão próximos. Como me considero uma observadora, terei sempre mais alguma coisa a contar sobre esses sentimentos.

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