Primeira objecção à teoria de Hume:Penso que a principal objecção à teoria de Hume diz respeito aos casos de comportamento compulsivo. Pense-se num cleptomaníaco. Um cleptomaníaco é um ladrão cujo desejo de roubar é de tal forma poderoso que se sobrepõe a qualquer consideração. Um cleptomaníaco pode querer roubar mesmo sabendo que vai ser apanhado e castigado. Nada disto fará qualquer diferença para o cleptomaníaco.Parece claro que o cleptomaníaco não rouba de livre vontade. No entanto, este caso satisfaz os requisitos de Hume para ser considerado um comportamento livre. Os cleptomaníacos querem, acima de tudo, roubar coisas. Ao roubar, estão a seguir os seus desejos. Se não tivessem querido roubar, não o teriam feito. As acções do cleptomaníaco estão, pois, sob o controle das suas crenças e desejos. O problema é que há algo nesses desejos e no modo como funcionam que impede o cleptomaníaco de ser livre.A teoria de Hume define liberdade em termos da relação que se verifica entre crenças e desejos, por um lado, e as acções por outro. Para Hume, as acções livres são controladas pelos desejos do agente. O comportamento compulsivo constitui uma objecção à teoria de Hume. É a natureza dos desejos do cleptomaníaco que o impede ser livre.
Segunda objecção à teoria de Hume: a sala fechada de Locke:A explicação de Hume está ainda sujeita a outro problema mais subtil. No seu Ensaio sobre o Entendimento Humano (1690), John Locke descreveu um homem que decidiu de livre vontade permanecer numa sala com o objectivo de aí conversar com um amigo. Sem que o soubesse, a porta da sala está fechada à chave. Segundo Locke, podemos praticar livremente uma acção sem que sejamos livres para agir de modo diferente. Neste exemplo, o homem mantém-se na sala por sua livre vontade, embora seja falso que poderia ter procedido de outra forma caso tivesse escolhido fazê-lo.Se a maneira como Locke descreve este caso é correcta, a teoria de Hume está errada. Para que alguém pratique uma acção de livre vontade não é essencial que pudesse ter praticado qualquer outra acção caso o tivesse desejado. Segundo Locke, podemos praticar livremente uma acção mesmo não sendo livres para agir de outra maneira. Um acto é livre devido à razão que leva a praticá-lo; a teoria de Hume não consegue explicar em que deverá consistir um processo que subjaza às acções livres.Eis outro exemplo que ilustra o que Locke tem em mente. Imagine-se uma acção qualquer que tenha sido praticada livremente. Suponha-se que ontem à noite, por exemplo, o João assistiu de livre vontade a um concerto. Agora imagine-se que se tivesse decidido não ir ao concerto teria sido raptado e, contra a sua vontade, teria na mesma sido levado ao concerto. Enquanto deliberava, desconhecia o que se preparava. O que importa é que o João assistiu ao concerto de livre vontade, embora não pudesse ter feito outra coisa.Para se compreender onde Locke quer chegar convém comparar o homem fechado na sala (embora não o saiba) com o cleptomaníaco. O modo de pensar do cleptomaníaco indica que os seus processos de pensamento funcionam mal. Algo na sua mente impede-o de ser livre. Mas nada há de errado na mente do homem de que fala Locke, embora não seja livre de agir de certas maneiras.
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