quarta-feira, 29 de abril de 2009

Roger-Paul Droit

De onde vem seu gosto pela filosofia?Roger-Paul Droit : Aos dezesseis anos, no último ano do ensino médio [no qual se estuda filosofia], tive um deslumbramento, a impressão de encontrar enfim as questões extremas, radicais, essenciais. Mas isso não quer dizer que tenha encontrado as respostas!Qual é a sua definição de filosofia?Todo ser humano que reflete metodicamente sobre o modo como pensa, faz filosofia. Questionar-se não basta. É preciso também ter uma visão crítica e metódica sobre o modo como colocamos essas questões, sobre o modo como formulamos as respostas, perguntando-nos se elas são válidas ou não, verdadeiras ou falsas.O senhor obteve um grande sucesso com 101 Expériences de philosophie quotidienne. Entre essas experiências, o senhor propunha: “Arrancar um fio de cabelo, contar até mil, descer uma escada sem fim, procurar um alimento azul....”. Com que finalidade?
O objetivo era provocar desencadeamentos intelectuais, de tal modo que qualquer um que jamais tenha se colocado uma questão a descobrisse de modo experimental. Por exemplo, se eu disser: “Vamos refletir sobre a questão de saber se as imagens mentais correspondem fielmente à realidade externa”, você vai sem dúvida bocejar… Em vez disso, tente descascar uma determinada maçã em sua cabeça! Num momento qualquer de seu filme mental, você perderá a maçã correta e não saberá mais em que pé está. Depois disso, tire as conclusões que quiser sobre as relações entre sua mente e a realidade externa. Essas experiências constituem estímulos à filosofia, mas ainda não são plenamente filosofia....O interesse pela filosofia parece ter aumentado no mundo inteiro. O que o senhor pensa a respeito disso?Fui durante dez anos Conselheiro para a Filosofia do Diretor Geral da Unesco. Nesse período, fiz uma pesquisa mundial, que mostrou, de fato, que a filosofia estava mais em expansão do que em regressão. O que me impressionou particularmente foi a lista dos autores de referência. No Ocidente, só encontramos filósofos ocidentais. Na Ásia, e em certos países árabes, existe, ao contrário, uma mistura entre filósofos gregos e europeus e filósofos árabes ou asiáticos. Na China, por exemplo, Aristóteles está atrás de Confúcio e Lao-Tsé. Por que não aprendemos outras práticas filosóficas no Ocidente?
Fiz a mim mesmo essa pergunta quando tinha uns trinta anos. Li, um pouco por acaso, livros sobre o budismo. Descobri na ocasião um oceano de pensamento, de tradições e de textos. É difícil dizer, no caso dos tratados mais teóricos, que não são textos filosóficos. Com efeito, são textos bem argumentados, dialéticos e tratam de questões de lógica e de metafísica muito bem articuladas. Tentei compreender por que não me ensinaram essas filosofias quando eu era estudante. Em 1989, no L’Oubli de l’Inde (O esquecimento da Índia), expliquei que a descoberta do domínio sânscrito [Forma culta do indo-ariano antigo, na qual são escritos os grandes textos bramânicos da Índia] havia suscitado, no século XIX, um intenso entusiasmo nos intelectuais, especialmente os românticos alemães, mas também nos filósofos (Schopenhauer, Victor Cousin ou, mais tarde, Nietzsche). A Índia bramânica era então considerada um continente filosófico a ser explorado. Ocorreu em seguida uma mudança extraordinária. A Índia, instalada no cenário filosófico do século XIX, no século XX foi evacuada. Segundo Heidegger, só existe filosofia se for grega ou européia! Para ele, falar de “filosofia hindu” é tão contraditório quanto dizer “o aço de madeira”. Creio que durante muito tempo tivemos uma visão da filosofia extraordinariamente reduzida, estreita, um pouco rígida, considerando muitas abordagens como não filosóficas, não legítimas.
Como poderíamos ampliar os limites da filosofia ?Penso que poderíamos tentar fazê-lo por diversas vias. De minha parte, esforço-me por fazê-lo de dois modos principais. Um consiste em inventar escritas insólitas, como as 101 Expériences ou Dernières nouvelles des choses (Últimas notícias das coisas), a meio caminho entre reflexão e poesia, ou ainda redescobrindo a sátira e o conto filosófico feroz, como acabei de tentar fazer em Votre vie sera parfaite.Outro caminho é a análise dos mecanismos históricos do fechamento: a exclusão da Índia, mas também o pavor hoje esquecido que tomou conta da Europa no século XIX diante da descoberta do budismo, o que eu analisei no livro Le Culte du néant (O culto do vazio). Hoje, estou tentando compreender aquilo que os gregos da Antigüidade disseram e pensaram a respeito da “filosofia dos bárbaros”. Haverá algumas surpresas… Se quisermos reabrir a filosofia, é preciso também debruçarmo-nos sobre seu passado para esclarecer a história de seu imaginário.





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