quinta-feira, 30 de abril de 2009

Margot Light

Na última coletiva de Putin como presidente da Rússia, vimos um homem combativo que parece ter a intenção de continuar no poder. Margot Light: É difícil imaginar Putin, após oito anos no poder, aceitando ordens de Dmitri Medvedev. Isso a despeito do fato de, constitucionalmente, ser Medvedev quem deverá dar as ordens, e Putin, em tese, as cumprirá.CC: Medvedev já venceu o pleito de 2 de março? ML: Medvedev vencerá no primeiro turno. Ele é protégé de Putin e, no momento, o nível de popularidade de Putin é de 65%. CC: Por que Putin é tão admirado? ML: A Rússia voltou a fazer parte do cenário internacional como país poderoso. Por outro lado, existe o contraste entre Putin e seu antecessor, Boris Yeltsin. Yeltsin era uma figura ridicularizada no tablado político internacional. Portanto, Putin, líder sóbrio (literalmente), e saudável (é faixa-preta de judô), deixa os russos orgulhosos. Vários comentaristas ocidentais não concebem a palpável humilhação sentida pelos russos sob Yeltsin, nos anos 90. Os britânicos e os franceses deveriam ter entendido melhor esse estado de espírito russo por um simples motivo: também perderam impérios. Contudo, no caso da Rússia, houve também o total colapso da economia. Houve uma série de mudanças da noite para o dia e, assim, uma significativa fatia do povo ficou desestabilizada psicológica e materialmente. Lembre-se que essa geração dos anos 50 foi a primeira a gozar de estabilidade. Seus avós e pais passaram por momentos difíceis, como a revolução de 1917, o período de industrialização, a Primeira e Segunda Guerra Mundial...CC: Mas um presidente que, após dois mandatos, quase certamente virará premier é algo inconcebível. ML: Para os russos, isso é ótimo. Qualquer líder internacional daria seus olhos e dentes para ser tão popular quanto Putin – e após dois mandatos presidenciais. Nós, ocidentais, perdemos ao não analisar Putin da perspectiva dos russos. Por isso, qualquer crítica feita a Putin, vinda do Ocidente, só serve para aumentar a sua popularidade. CC: Além de não tomar uns tragos a mais, como Yeltsin, e ter colocado a Rússia no mapa, quais seriam as razões dos russos para colocar Putin no pedestal? ML: Quando Putin chegou ao poder, a Rússia estava terrivelmente endividada. Seus credores, em particular as instituições financeiras internacionais, ditavam a política econômica da Rússia. A riqueza obtida com o petróleo permitiu a Putin pagar a dívida externa. Isso, mais do que tudo, fez com que a Rússia se tornasse novamente um Estado soberano e independente. CC: Mas, apesar do sucesso de Putin, a Rússia permanece um país dividido entre uma minoria de ricos e um mar de pobres, a corrupção permeia todas as camadas da sociedade e a inflação pode causar estragos em breve.
ML: Tudo isso é verdade. Putin disse na última coletiva à imprensa como presidente que não conseguiu estreitar a disparidade entre ricos e pobres; mencionou, ainda, a inflação que ronda o país. E admitiu que não conseguiu acabar ou pelo menos atenuar a corrupção. Eu apontaria outra falha: Putin falhou ao não diversificar a economia. A Rússia ainda é uma economia de Terceiro Mundo. Depende de poucas fontes energéticas (petróleo e gás) e, portanto, está à mercê de volúveis preços globais. E será que o país terá reservas suficientes para fornecer petróleo e gás num momento de demanda crescente?Outra falha de Putin: baixas somas da receita do petróleo foram investidas em projetos de infra-estrutura, estes fundamentais para tornar a Rússia uma economia moderna. CC: Como diferencia o Putin do primeiro mandato daquele do segundo mandato? ML: Putin certamente cresceu no papel. Sempre transmitiu a imagem de líder sério. No entanto, essa imagem parecia artificial. Mas, no segundo mandato, ele se tornou muito mais convincente. Conhece profundamente seus dossiês. Cita números, armazena vasta bagagem de informações na cabeça. Você pode não estar de acordo com suas idéias, mas ele as expõe de forma clara e objetiva. Putin é articulado. É excelente orador e é interessante notar o contraste entre ele e Bush. CC: Mas ser superior a Bush não é muito difícil... ML: De fato (risos). Mas Bush melhorou como orador nos últimos oito anos. CC: O fato de Putin ser ex-espião da KGB e ex-chefe da FSB (sucessora da KGB) não inquieta os russos? ML: De forma alguma. Claro, as pessoas não associam o trabalho feito por Putin nos serviços secretos ao de seus antecessores sob Stalin. A KGB – e depois a FSB – nunca teve o mesmo tipo de desaprovação pública que tiveram as Forças Armadas, após a derrota dos soviéticos no Afeganistão. Além disso, desde a formação da União Soviética, e após seu desmantelamento, a corrupção rolou solta entre burocratas de todos os níveis, incluindo militares de todos os escalões. Entretanto, nunca houve acusações de corrupção contra e a KGB e a FSB. Portanto, os espiões desenvolveram essa aura. E, em 2000, quando Putin foi eleito presidente pela primeira vez, todo mundo queria lei e ordem, prioridades de um ex-chefe da FSB. CC: Ao mencionar programas de cinco anos da ex-União Soviética, a senhora também se refere a uma nostalgia pelos velhos tempos, quando Moscou era poderosa? ML: Sim, mas essa nostalgia não inclui o império soviético. A Rússia quer que decisões internacionais requeiram algum tipo de consentimento por parte de Moscou. Eu diria que esse tem sido o aspecto primordial da política externa de Putin, ao longo de sua presidência. Putin fez um trabalho notável, ajudado, claro, pelo aumento dos preços do petróleo.CC: Deveríamos ter medo de Putin quando ele ameaça com retaliações a propósito da independência do Kosovo? ML: Não que tipo de retaliação Putin poderia desferir. Mas tem um bom argumento: indaga por que a Europa nunca reconheceu o norte de Chipre. A criação do Kosovo não tem precedentes. E poderá trazer conseqüências sérias para o mundo. CC: Como vê as ameaças de Putin contra o plano americano de instalar um sistema de escudo antimísseis na Polônia e na República Tcheca? ML: Nesse caso, as ameaças de Putin são mais reais. A Rússia, disse ele, apontará alguns de seus mísseis nucleares para esses dois países. Isso não quer dizer que ele apertará o botão, mas criará, porém, bastante desconforto. Putin não crê que o escudo antimísseis tenha como alvo a Rússia, mas o fato de lá terem sido instalados, e mais o alargamento da Otan nos Bálcãs e no Norte da Europa, favorece a percepção de que a Rússia está cercada. Encare o mapa: a Rússia está cercada. CC: E como avaliar o fato de a Rússia estar vendendo tecnologia nuclear para o Irã? ML: Nos anos 90, a Rússia não queria ser uma economia de Terceiro Mundo, dependente somente de suas exportações. O país tinha armas e tecnologia nuclear para competir em nível global. E assim começou a vender essa tecnologia, em nível comercial, para o sistema nuclear civil do Irã. Washington teve um confronto com Moscou e Yeltsin não aceitou receber ordens dos EUA. Foi então que Moscou passou a ver Washington como centro de um mundo unipolar. E havia o medo de que Washington iniciasse uma guerra contra o Irã. A Rússia não tem interesse que o Irã tenha armas nucleares. Moscou teme ser o alvo dessas armas nucleares porque o Irã fica muito próximo das fronteiras da Rússia. Desde então, a Rússia quer negociar através do Conselho de Segurança da ONU, o que é complicado, dada a inflexibilidade de Moscou. Contudo, os russos cooperaram com a última resolução da ONU. CC: Estamos voltando aos tempos da Guerra Fria? ML: Não, há uma volta a reflexos da Guerra Fria. Não importa o que a Rússia faça, e governos ocidentais automaticamente respondem de uma maneira particular – e vice-versa. Não voltaremos, no entanto, à guerra ideológica entre Washington e Moscou.

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