

- Seu livro critica as teorias recentes que afirmam um certo esgotamento das crenças no plano moral e político, sobretudo após os movimentos libertários dos anos 1960 e após o colapso político do antigo bloco socialista; ou seja, a tese de que estaríamos vivendo uma "era do vazio", segundo a expressão de Gilles Lipovetsky, ou ainda, o "fim da história", segundo a de Francis Fukuyama. Qual a ilusão fundamental nestas teorias que o senhor procura denunciar?JCG - A ilusão fundamental é acreditar que uma sociedade pode se organizar apenas mediante um certo padrão de racionalidade. Nos anos 1980, acreditaram - e essa era justamente a tese de Lipovetsky, mas também de muitos outros - que a crença era um fenômeno arcaico, que iria desaparecer em pouco tempo. Pensaram que já fazia parte do passado, e que as sociedades modernas seriam governadas não mais por crenças, mas pelo saber tecnocientífico, de um lado, pelo jogo dos interesses e pelo jogo transitório das
convicções, de outro. Mas foi um erro espantoso ter cogitado isso, pois é evidente que quando as crenças são expulsas pela porta da frente, voltam corrompidas pelas janelas... - É o que o senhor chama de "patologias da crença"?JCG - Sim, voltam da pior forma possível, como as seitas New Age, a tirania publicitária, o fascismo do marketing. Ou seja, em vez de grandes religiões, seitas. Em vez de padres, gurus. É ilusório pensar que isso se refere a credulidades inofensivas. Na Europa, aumentou enormemente nos últimos anos a onda do esoterismo, da paranormalidade, da astrologia, destes abrigos da fé. Cada dia novas formas de credulidade aparecem. É como se houvesse uma carência e uma demanda de crenças que não pudessem mais ser satisfeitas. Fiquei muito surpreso ao constatar estatisticamente essa proliferação de credulidades. Mas existe algo mais grave do que isso. Boa parte do conhecimento que geralmente se apresenta como saber racional, por exemplo, o economicismo, carrega uma série de crenças mal disfarçadas, ancoradas na mais ingênua credulidade. É flagrante. - Como assim? JCG - O discurso econômico está todo impregnado de crenças. De início, a moeda já está fundamentada numa crença, num acordo social. Até aí, sem problemas. Mas quando a economia passa a se apresentar como ciência, como se explicasse algo próprio à natureza das coisas, aí se trata de uma impostura. Aqui na França, toda semana aparecem artigos nos jornais falando sobre a disposição moral do cidadão francês, resumindo, se o cidadão está alegre ou triste. Nesta semana, por exemplo, o humor do francês está em baixa, e os editorialistas de jornais importantes, como Le Monde e Nouvel Observateur, comentam esse dado com uma seriedade que me assusta. O curioso é que ninguém se pergunta como este dado é calculado. Aí você faz uma busca rápida no site do Institut National de la Statistique et des Études Économiques (órgão público para estatísticas) e descobre que este indicador para a disposição moral do francês, acredite ou não, é calculado de acordo com seu desejo de compra. Quer dizer, se o cidadão está com vontade de comprar, então significa que está de bom humor. Mas não poderíamos dizer o contrário? Afinal, quantas pessoas não falam "ah, hoje estou deprimido, acho que vou comprar um par de sapatos". É uma crença tão tola quanto a crença em cartomantes, mas isso não impede que ela apareça em jornais sérios e se apresente como verdade científica. Veja outro exemplo. Todo dia, mas o dia inteiro mesmo, a mídia fala sobre o tal crescimento econômico. Dizem à população francesa que se o PIB crescer 2,2% em 2008, será o paraíso. Se a taxa for de 1,8%, será o inferno. A gente tem a impressão às vezes de que a taxa de crescimento substituiu o purgatório. Mas aí a gente descobre como se calcula o crescimento e percebe que a metodologia utilizada é no mínimo estranha. O naufrágio do petroleiro "Erika" na região da Bretanha, um dos maiores desastres ecológicos do mundo, poluiu cerca de 500 km da costa francesa. O processo judicial contra a empresa responsável começou recentemente e provavelmente ela será condenada. Penso que o naufrágio de um petroleiro que polui 500 km da costa marítima, mata mais de 200 mil pássaros, é uma catástrofe enorme, não? Pois bem, do ponto de vista econômico, não foi. Na verdade, foi algo formidável. Porque o naufrágio fez aumentar a atividade de várias empresas de limpeza e de setores associados, com seus caminhões e equipamentos para retirar os dejetos, o que ativou um ciclo de produção altamente lucrativo. Tanto que contabilizaram o desastre ecológico como algo positivo para o crescimento econômico.- Não há revisão destes indicadores? O governo mesmo não reavalia seus parâmetros?JCG - É difícil entender como isso acontece. O presidente Sarkozy chamou agora dois economistas bastante conhecidos, dois Prêmios Nobel de Economia, Amartya Sem e Joseph Stiglitz. Ele deu a missão de revisar os parâmetros que medem o crescimento e reconsiderar principalmente o "critério qualidade de vida". Quer dizer, foram necessários mais de 30 anos para se dar conta disso. Tudo para mostrar que esses números do economicismo, que se apresentam diariamente como dados científicos, não passam de credulidades temporárias.

maravilhoso!
ResponderExcluirObrigada