http://ranciere.blogspot.com/Em nome do dissenso, filósofo francês redefine termos e conceitos na arte e na política.Professor emérito do Departamento de Filosofia da Universidade Paris VIII, Jacques Rancière é autor de A partilha do sensível, livro recentemente lançado pela Editora 34 no Brasil. Com agudeza e "oportuna" impertinência, o filósofo francês analisa e redefine termos e conceitos, dialoga com as manifestações da arte e com o que se pensa sobre ela.Como refletir sobre o fenômeno do "politicamente correto"?Deve-se utilizar com prudência essa noção de "politicamente correto", que serve um pouco facilmente demais como recusa para desqualificar tudo que se opõe ao consenso dominante. A reivindicação de "correção" está ligada a um aspecto efetivamente essencial do qual a noção de partilha do sensível pretende dar conta: as formas da dominação – de classe, de raça, de sexo – são, a princípio, formas inscritas na paisagem do cotidiano, na maneira de descrever o que se vê, de dar nomes às coisas. O perigo, a partir daí, é praticar uma simples operação cosmética sobre as formas da dominação: camuflar a realidade da dominação sob a representação de um universo de pequenas diferenças no qual cada identidade é provida de seu reconhecimento, seus direitos próprios; fazer reinar, por meio de uma linguagem eufêmica, uma outra forma de consenso.
A democracia nunca passou de uma promessa, um sonho?Deve-se inverter essa proposição. A democracia e a igualdade não são sonhos. Não são metas a atingir. São potencialidades que só ganham realidade se são atualizadas aqui e agora. A democracia é, seguramente, um sonho se alguém espera que, a partir dos próprios textos que declaram homens e mulheres iguais em direito, a igualdade se torne realidade. Ela deixa de ser um sonho quando mulheres e homens provam sua igualdade, sua competência igual para se ocupar das coisas comuns. Em outras palavras, a democracia não é nunca assimilável a uma forma de governo nem a uma forma de sociedade. Todo governo é oligárquico. Ele tende sempre a privatizar, em seu proveito, a esfera dos negócios comuns. A democracia não se trata de uma promessa, e sim de uma realidade que existe através dos atos sempre precários que a constroem. Para quem ainda não conhece sua obra, por qual livro se deve iniciar?Eu me sentiria tentado a responder recorrendo ao próprio princípio da emancipação intelectual, tal como ele foi desenvolvido em meu livro O mestre ignorante: pode-se começar por qualquer parte; não há iniciação por graus, não há uma via real pedagógica. Escrevi, aparentemente, sobre os assuntos mais diversos: a emancipação operária e a poesia de Mallarmé, a teoria política e a fábula cinematográfica, o discurso da história e a revolução estética. E o fiz segundo modos muito diversos de escrita, do estilo narrativo (A noite dos proletários ou Courts voyages au pays du peuple) ao estilo argumentativo (O desentendimento, Malaise dans l’esthétique), porque a constante do meu trabalho é romper com a separação das disciplinas e a hierarquia dos gêneros a fim de colocar em evidência a partilha do sensível, a maneira como a filosofia ou a literatura, a estética ou a história constitui seu discurso. Pode-se, portanto, começar por onde se queira, de acordo com o próprio interesse: estético ou político, pedagógico ou literário.
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