Que dificuldades o senhor encontrou para construir essa biografia monumental? Fiel à concepção de história-problema da Escola dos Anais, minha primeira dificuldade consistiu em definir uma problemática que me permitisse apreender o indivíduo São Luis em interação com a sociedade do século XIII, evitando o que o sociólogo Pierre Bourdieu chamou de a "ilusão biográfica", que pretende que se considere a vida de um grande homem como alguém com um destino já traçado, excluindo as eventualidades da vida. Eu, ao contrário, limitei-me a mostrar as hesitações, as decisões e os momentos cruciais da vida de São Luís, a partir da sua infância de rei. Porque se o homem constrói sua vida, ele também é construído por ela. Foram as fontes, na verdade, que representaram as principais dificuldades de meu trabalho de historiador, e isso por causa de sua própria natureza. De fato, uma grande parte dos documentos disponíveis sobre São Luís são de caráter hagiográfíco ou normativo. Através de São Luís pinta-se mais o retrato do rei que ele deveria ter sido do que o que foi realmente, como em Les Miroirs des Princes, textos que nos informam mais sobre a concepção do soberano ideal do que sobre a verdadeira personalidade dos reis. As qualidades e os fatos atribuídos a São Luis - freqüentar os pobres e os leprosos, oferecer numerosas esmolas, etc. - são assim atribuídos a outros reis. No entanto, eu tive algumas vezes a impressão de cair em detalhes suficientemente concretos de sua vida cotidiana para dizer: é ele finalmente. Mas mesmo aí eu tive surpresas desagradáveis...E foi então que eu me fiz, de forma provocante, a seguinte pergunta: Será que São Luis existiu? É claro que não se trata de dizer que São Luís teria sido apenas fruto das fantasias da história e dos historiadores, mas de se perguntar se seria possível encontrar o verdadeiro São Luis.
Como o senhor pôde separar o "verdadeiro" São Luis de sua lenda? Em primeiro lugar, os textos laudatóríos não escondiam, apesar de tudo, alguns de seus defeitos. Nós sabemos, principalmente graças às confidências de seu confessor, dispensado do segredo da confissão para o processo de canonização, quais eram as tentações de São Luis e como ele lutava para não sucumbir a elas! Uma série de historietas revelam-nos o temperamento de um homem muito voltado para a carne, dividido entre a tentação e o escrupuloso respeito às proibições da Igreja... Em seguida, nós dispomos do testemunho mais do que excepcional de um companheiro próximo do rei, Jean de Joinville, autor de Uma História de São Luis.Joinville foi o primeiro não-religioso a escrever sobre a vida de um santo, ainda por cima em língua vulgar, ou seja em francês e não latim. Como freqüentou o círculo mais íntimo de São Luis, Joinville foi uma testemunha privilegiada de sua vida cotidiana. Embora tivesse uma grande admiração pelo rei, Joinville sabia ao mesmo tempo julgá-lo e não hesitava em repreendê-lo quando achava, por exemplo, que o rei se comportava mal com sua mulher. O título da obra demonstra aliás essa distância tomada pelo autor em relação ao assunto. Esse documento permitiu-me assim chegar ao indivíduo, o que chamei de "verdadeiro" São Luis, e de "trazer" junto com ele uma grande parte da sociedade e dos problemas de sua época.
Como se explica o imenso prestígio de que gozava São Luis em sua época, em toda a Europa cristã e até no Império Mongol? São Luís foi beneficiado em vida por um extraordinário prestígio, que repercutiu por toda a França. Ele se baseava, acredito eu, em três coisas. Em primeiro lugar, num inegável carisma de chefia, retomando a noção do sociólogo alemão Max Weber. As pessoas que o encontravam eram atingidas por essa aura que o envolvia, em parte de forma física, e que sua devoção contribuía, sem sombra de dúvida, para aumentar. Mas os dois traços de sua personalidade mais impressionantes, ainda hoje, residem em seu apetite pela justiça e na sua paixão pela paz. Constantes no Ocidente desde o ano 1000, essas aspirações concretizam-se finalmente sob o reinado de São Luis. Sua vontade de pacificar o reino sucede a movimentos populares contra o poder feudal e senhorial, que repousa na violência e na guerra. São Luis era, por essas razões, o que se poderia chamar de consciência da cristandade.Porém, mais do que a paz, sua grande ação pela França talvez tenha sido generalizar o apelo à justiça real, ou seja ao Estado. São Luís fica escandalizado quando toma conhecimento de que os oficiais reais e todos aqueles que dependem do governo central, podem cometer injustiças ou serem culpados de corrupção. As medidas que toma para pôr um fim a isso respondem a motivações ao mesmo tempo de ordem ético-religiosa e política. Instituindo uma rede de inquiridores para controlar e fazer um relatório sobre a boa aplicação da justiça, São Luis ganha em duas frentes: faz reinar a justiça e fortalece o poder real. Hoje, seus excessos moralizadores, suas perseguições a juizes, sua agressividade de cruzado contra os muçulmanos, já criticados na época, só podem limitar nossa admiração.Pacifista, São Luis no entanto saiu duas vezes em cruzada, para fazer guerra aos muçulmanos. Quais eram suas motivações? Na época, fazer a paz entre cristãos e partir em cruzada contra os "infiéis" não parece ser absolutamente contraditório. É preciso lembrar que São Luís está profundamente impregnado pela concepção cristã de guerra definida por Santo Agostinho. Segundo este, é justa toda guerra feita aos pagãos ou que vise restabelecer a justiça onde existir injustiça (invasão territorial, por exemplo). Aliás, é unicamente neste caso que Santo Agostinho admite a guerra entre cristãos. E finalmente, para limitar as guerras, Santo Agostinho pretende que elas dependam da ordem política, ou seja do Príncipe, único a ter o direito de declarar a guerra e fazer a paz. Uma idéia que inspirará muito São Luis. Ao abolir a guerra entre os fidalgos, mais uma vez ele acerta em dois alvos: pacifica o reino e fortalece consideravelmente o poder real.E finalmente, partir em cruzada também significa para São Luis uma maneira de perpetrar a tradição de seus ancestrais, os reis cristãos, que remonta a 1095. Suas outras motivações são de ordem religiosa, porque São Luís teve uma visão da cristandade que compreende, do ponto de vista territorial, a Europa, onde o cristianismo se instalou, mas também a Terra Santa, local de suas origens e da presença mística do Cristo. Ao mesmo tempo em que São Francisco de Assis preconiza na Terra Santa uma cruzada pela palavra, São Luis realizará uma cruzada militar. Entretanto, no momento da entrega aos muçulmanos do resgate que deveria libertá-lo, São Luis havia obrigado os de seu círculo a entregar-lhes uma quantia espertamente retirada no momento da transação. Um senso de justiça quase universal para a época..
Nenhum comentário:
Postar um comentário